(Ano A – 06 de novembro de 2011)
I Leitura: Ap 7,
2-4.9-14
Salmo Responsorial:
Sl 23 (24), 1-2.3-4ab.5-6 (R/. cf. 6)
II Leitura: 1Jo 3,
1-3
Evangelho: Mt 5, 1-12
a (Bem-aventuranças)
Queridos irmãos,
“Cremos na comunhão dos santos!” Esta é uma verdade cuja
profissão de fé fazemo-la no Credo. Quem são os santos? De maneira simples,
resumimos: os santos são os amigos de Deus. Dizemos amigos para designar um
relacionamento de profunda intimidade com o Cristo de tal forma que, de tanta
proximidade com Ele, o santo ganha as feições do Senhor, galgando
cotidianamente uma vida de perfeição que ruma para o “perder-se” no Divinal
Amigo. Ora, mergulhando nesta simplificada denominação, chegamos a pensar que o
mundo hodierno carece de santos. Sim, urge o aparecimento de pessoas corajosas
que, despojando-se de si mesmas, trilham, asceticamente, para uma vida cada vez
mais conformada a de Jesus. A santidade não vem como num toque de mágica, mas
acontece cotidianamente, dentro da humanidade do indivíduo que a abraça,
através da superação das limitações, a partir das pequenas dificuldades.
Pelo Batismo, todo cristão é santo. Por isso que, no Credo,
a Igreja afirma: “Creio na comunhão dos santos”. Comunhão, do latim communio, “união com”, assim, somos
(Igreja peregrina) unidos com os santos (Igreja triunfante); os santos pelo
Batismo, os quais ainda estão no convívio com as coisas perecíveis do mundo que
intercambiam com os santos que já consumaram a sua via e hoje gozam da Perpétua
Glória do Coração de Deus; formamos uma única família: a do Corpo Místico de
Cristo, embora este esteja inserido em uma dupla dimensão: temporalidade e eternidade.
Dissemos que os santos são amigos de Deus. Se somos santos
pela graça batismal, logo, somos invitados a estreitarmos os laços com o
Senhor. E como faremos esta proeza? O Evangelho de hoje responde-nos: através
do alcance da felicidade. No entanto, não a entendamos como uma
pseudo-felicidade, tal como o mundo apregoa com o oferecimento de prazeres, de
bens e outras realidades que aumentam – ainda mais – o vazio no coração do
homem, mas a entendamos como vida realizada, plenificada em Deus já na angústia
dos dias desta vida mortal, enquanto somos “travestidos em homem do nosso
século”, como afirmara Jacques Maritain. Jesus, por nove vezes, utiliza a
palavra “Bem-aventurados”, “Felizes”. Assim, entendemos o Sermão das
Bem-aventuranças como um projeto de realização pessoal e de Deus na vida do
fiel. O homem sabe que, somente contando com os seus esforços, nunca conseguirá
uma satisfação plena; sabe ainda que Deus não viola a liberdade do ser humano.
Destarte, indubitavelmente somos cônscios de que a santidade é proporcionada
pela Graça, mas deve haver a contribuição pessoal do cristão que a busca. Por
isso, Jesus, a cada bem-aventurança, apresenta uma atitude ativa do fiel e,
seguidamente, uma ação receptiva emanada do próprio Deus (“Bem-aventurados...
porque...”).
É salutar termos diante dos olhos todo o ambiente físico em
que acontece esta prédica do Senhor. Mateus situa Jesus em um monte. Subir, na
Sagrada Escritura designa aproximar-se do próprio Deus. Percebamos, caríssimos,
que as grandes manifestações de Deus acontecem em elevações geológicas.
Percebamos que Jesus não vai para lá sozinho, os discípulos se aproximam,
afastam-se da baixeza da terra. Assim, sabemos que o Mestre quer atrair os seus
para o Pai, de quem procede a santidade (Ele que, no superlativo, é o Santo dos
Santos). O termo “santo”, que em hebraico é traduzido como kadosh, significa separado, apartado da transitoriedade. Quem, por
essência, tem este caráter senão Deus? Através de Jesus, da sua encarnação como
homem, obtemos, pelo Batismo, este afastamento, tornamo-nos “concidadãos do
céu” (cf. Ef 2, 19).
Jesus, no monte, senta. Sentar-se, na linguagem litúrgica e
até mesmo pedagógica é típico de quem ensina, é comum ao Mestre. A ação de
instruir é de direito a quem tem autoridade sobre o aprendizando (discípulo) e
sobre o que é ensinado. Jesus senta-se para falar da santidade de Deus e dos
homens porque, como Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, é santo. Jesus, sentado
no monte, fala aos seus discípulos. Aos discípulos e não às multidões. Embora o
chamado à santidade seja uma vocação universal, Jesus é consciente de que poucos
– apenas os sensíveis à Boa Nova do Reino – são capazes de absorvê-la, pois a
dinâmica das Bem-aventuranças soa aos ouvidos do mundo como irracionalidade.
São João Crisóstomo afirma: “Nisto de pregar sobre um monte e na solidão, e não na cidade
nem no fórum, nos ensinou a não fazer nada por ostentação e a separar-nos do
tumulto, principalmente quando convém dialogar sobre coisas importantes” (Homiliae in Matthaeum, hom. 15,1). Pelo
dito de João Crisóstomo, intuímos que a santidade não é uma realidade de vida
que causa estardalhaços, mas que se prima em uma silenciosa violência contra os
nossos quereres, principalmente quando não estão de acordo com a vontade
divina, pois “o Reino dos Céus é para os violentos” (Mt 11, 12), o que é
incompreensível e frustrante para o mundo.
Falávamos que a santidade é uma via de perfeição, um caminho
para configurar-se a Cristo Deus. E que via é esta? Ela acontece, como
dissemos, no cotidiano, através de pequenas atitudes silenciosas e profundas:
pobreza em espírito; fortaleza nas aflições; mansidão; anseio e promoção da
justiça; coração humilde e misericordioso; pureza de vida e costumes;
pacificidade; enfim, alegria diante dos sofrimentos, injúrias, calúnias causadas
pelas perseguições infligidas aos que seguem o Cristo.
O caminho para ser bem-aventurado (santo) não é fácil. E,
sabendo das nossas condições, o próprio Deus nos cumula com suas recompensas à
medida que lhe oferecemos a nossa disponibilidade para o projeto de santidade.
Prova disto, temos as nove recompensas trazidas pelas Bem-Aventuranças. Ao
escalarmos as escarpadas montanhas de uma vida pautada pela santidade,
restar-nos-á a magna recompensa: o céu. Se formos perseverantes nesta boa
ventura, diremos tal como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira,
guardei a fé”. (2Tm 4,7), pois como nos assevera a Oração sobre as oferendas
deste domingo: alcançaremos a imortalidade pela salvação.
São João, na sua celeste visão, enche-nos da certeza de que
os santos contemplam e adoram Deus face a face. No fim dos tempos, os que foram
marcados na fronte com a insígnia do Cordeiro serão levados para o festim do
céu. O autor sagrado oferece o número dos que foram marcados: cento e quarenta
e quatro mil de todas as tribos de Israel. Este número é prenhe de significado,
pois é o quadrado de doze (algarismo que designa o sagrado na numerologia
bíblica) multiplicado por mil. Logo após oferecer-nos esta quantia, São João
traduz qual o desígnio do número doze vezes doze vezes mil: “uma multidão
imensa de gente de todas as nações, tribos e línguas, e que ninguém podia
contar” (Ap 7, 9). Primeiramente, João diz que os cento e quarenta e quatro mil
eram da casa de Israel; depois, que é de todos os recantos do mundo. O que ele
realmente quer afirmar é que esta multidão pertence à Igreja, a Nova Israel,
que congrega em si os filhos de Deus, a legião dos santos espalhada por todo o
orbe. Estes eleitos estavam revestidos na veste da pureza, empunhavam a palma
da vitória sobre o poder da morte, a palma do martírio, e estavam de pé
contemplando algo que nunca ninguém era capaz de ver: o próprio Deus.
Esses felizardos não estavam sós, compartilham os céus e a
visão do Cordeiro com os anjos, ao tempo em que, com eles, misturavam as vozes
em louvor, tal como fazemos na Eucaristia quando invocamos a santidade de Deus
(Sanctus, Sanctus, Sanctus...), nosso
louvor mistura-se ao dos entoados pela corte celeste. Meus caros, esses
felizardos seremos nós se formos perseverantes. Imaginemos, quando chegarmos ao
céu e perguntarem a nosso respeito: “De onde vieram esses?” E quando disserem
de nós: “Esses vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes
no sangue do Cordeiro” (v. 14). Em outras palavras, dirão: “Esses souberam sofrer
com valentia as agruras da vida, guardaram a fé; não sujaram as mãos e coração
nas obras do mal, por este motivo merecem entrar e estabelecer morada no
coração de Deus (cf. Sl 23, 4).
Se já nos é um grande presente de amor a adoção divina,como
nos diz São João na Segunda leitura, esta
adoção que nos faz filhos de Deus, o que poderíamos dizer acerca da
manifestação de Deus em nós, já nesta vida, quando o transparecemos, até o momento
da manifestação perenal, quando seremos um nele?
Que sigamos os conselhos de Paulo: "A noite
vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e
vistamo-nos das armas da luz". (Rm 13,12). Que nos travistamos de Cristo,
com as vestes da santidade e tudo o que, em si, ela embute. Que o exemplo
daqueles que já gozam da feliz eternidade nos inspire a força e a coragem no
rompimento do pecado, a fim de que, auxiliados por sua intercessão, cheguemos à
nossa meta: o Céu, a Vida em Deus, onde nos “perderemos de amor Nele”.
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