sábado, 12 de novembro de 2011

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 13 de novembro de 2011)


I Leitura: Pr 31, 10-13.19-20.30-31
Salmo Responsorial: Sl 127 (128), 1-2. 3. 4-5ab (R/. cf. 1a)
II Leitura: 1Ts 5, 1-6
Evangelho: Mt 25, 14-30 (Os talentos recebidos e restituídos)


            Queridos irmãos,


            Ao aproximar-nos da Solenidade de Cristo Rei, cuja celebração faremos no próximo domingo, hoje, somos inseridos pela Liturgia da Palavra em uma espécie de “prova dos nove”: como estamos fazendo “render” o Reino através do que recebemos do próprio Senhor? O Senhor nos veio, deixou a sua mensagem, pediu para que a anunciássemos, salvou-nos com a sua cruz e ressurreição e voltou para o Pai com a promessa de que viria em breve, repentinamente: “Por isso, estai também vós preparados porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos pensardes” (Mt 24, 44).

             O Senhor é apresentado por Mateus, imediatamente a sua paixão, com um discurso escatológico. Escatós, em grego, refere-se às últimas realidades da humanidade e do mundo. Em um primeiro momento, logo no início do capítulo 24 e em um bom trecho do capítulo, Jesus anuncia o fim de Jerusalém. Ora, não é intenção do Senhor anunciar somente a destruição de Jerusalém, cidade-capital dos judeus, mas de toda a realidade deste mundo carcomido pelo mal que, nesta hora, é representado pela velha cidade de Jerusalém. Esta verdade pode ser confrontada com Apocalipse 3, 20; 21, 2; 21, 10. Estes textos nos apresentam a descida do céu da Nova Jerusalém que, outrora, estava junto de Deus. Inseridos no discurso escatológico de Jesus, teremos as ferramentas básicas para a compreensão mínima da Liturgia deste domingo.
Jesus está a sós com seus discípulos. E, revelando o que outrora estava escondido, parabolicamente, fala-lhes, de maneira simples, acerca da atividade daqueles a quem foi incumbida a propagação do Reino. Jesus fala sobre a atuação dos seus seguidores de todos os tempos, os cristãos, inclusive, nós, os da hodiernidade. Por isso, “um homem ia viajar para o estrangeiro” (Mt 25, 14a). Quem é este homem senão Jesus? Por isso, São Gregório Magno afirma: Este homem que viaja para o distante é o nosso Redentor que subiu aos céus, com aquela carne que havia tomado, a qual tem seu lugar próprio na terra e é elevada como em peregrinação, quando é colocada no céu por nosso Redentor (Homiliae in Evangelia, 9,1). Logo, entendemos como estrangeiro o céu, onde o próprio Deus que assumiu a nossa humanidade, o nosso corpo, a transporta. Estrangeiro para o corpo porque este não havia possibilidade de, por si, ascender. O céu, sem a encarnação de Jesus, é um lugar alheio à nossa corporal natureza, bem como a tudo o que ela comporta. Sim, o céu é uma terra estrangeira porque embora já tenhamos a cidadania celeste (cf. Ef 2, 19), ainda não adentramos plenamente naquela bendita terra, porém, pelo Cristo, já temos a sua garantia.

“Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade” (Mt 25, 14b-15). Talento, apesar de uma unidade monetária da época, pode ser interpretada como tudo o que o Senhor nos concede para que multipliquemos em uma vida virtuosa para a construção do Reino. A primeira vista, temos a tentação de pensar que este patrão é injusto, ou desconfia de alguns dos seus subalternos, porque, conforme a nossa humana compreensão, se ele fosse realmente justo, teria distribuído os seus talentos equitativamente. Não, o patrão não é injusto; o evangelho é categórico em frisar: “de acordo com a sua capacidade”. Capacidade é uma palavra marcante. Percebemos na Igreja diversos graus hierárquicos, o que seria isso senão a capacidade de cada um. Cuidado para não confundirmos capacidade com méritos; capacidade com santidade, ou dignidade. Não. Capacidade é um termo que designa distinção de papéis para a consecução de algo. Aqui, logicamente,  para a construção e difusão do Reino. Neste sentido, São Jerônimo comenta: “Convocados, pois, os apóstolos, entregou-lhes a doutrina evangélica, distribuindo-a, dando a uns mais e a outros menos, porém não segundo sua generosidade e mesquinhez, mas conforme a capacidade e forças de cada um dos que a recebiam. Assim como diz o Apóstolo que os que não podiam digerir um alimento sólido, os alimentava com leite. Daqui segue: ‘E a um lhe deu cinco talentos e a outro’, etc. Nos cinco, nos dois e no único talentos, entendemos que, a cada um, foram dadas diversas graças”. Logo, podemos estar certos de que a todos os empregados deste patrão foram entregues talentos para serem acurados, assim, todos, sem exceção recebemos talentos e responsabilidades do próprio Senhor para o bem de sua empresa, do seu Reino.

Podemos notar ainda que o Senhor não pede para que os seus empregados multipliquem as quantias confiadas. Porém, se ele entrega os seus bens (não uma mera parcela), como patrão, ele quer que o seu dinheiro renda, multiplique. Isso é tão lógico que, quando Jesus está para subir aos céus, ele reúne os seus discípulos na Galileia e envia-lhes dizendo: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 19-20). Sabemos, pelo Evangelho de hoje, que tanto o primeiro quanto o segundo empregado entendem os planos de seu patrão; o terceiro, não. Pelo contrário, enterra o talento recebido. Como afirmamos anteriormente, Nosso Senhor nos confiou, cada qual no seu tempo e conforme a sua capacidade,y a administração do seu Reino. O que ele quer de nós, pobres empregados? Logicamente, que façamos crescer, render, desenvolver o Reino. O Reino é o seu empreendimento, isso falando em uma linguagem comercial.

“Depois de muito tempo, o patrão voltou e foi acertar contas com os empregados” (Mt 25, 19). O espaço de tempo é sublinhado para revelar que passou muito para que o que fora entregue tivesse condições de, pelo menos, duplicar. Este tempo, caríssimos, são os séculos até a volta do Senhor na Parusia. Quando, diante dele, prestaremos contas da nossa atividade de apostolado. É a ele que prestaremos contas. Quanto mais tempo o Senhor tardar para voltar, mais oportunidade teremos para impregnar o mundo com os valores do Reino, em compensação, mais esfarrapadas serão as desculpas que lhe daremos se não fizemos render o seu Reino.

Ao primeiro e segundo empregados, cuja duplicação foi comprovada pelo patrão, é-lhes dito: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (v. 21 e 23). Este reconhecimento do patrão para com os seus empregados é justo e é acompanhado de maiores obrigações para estes últimos, bem como, de um convite especialíssimo: “Vem participar da minha alegria!” Assim, entendemos que os discípulos de Jesus que mais fazem pelo Reino, recebem ainda mais encargos, pois, são incansáveis: “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62). E, ainda: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10, 29-30); ou, como veremos adiante, ainda neste capítulo 25 de Mateus: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” (v. 34). Uma vez que demos o nosso sim e fizemos frutificar o talento que recebemos, o quinhão que nos foi confiado na causa da evangelização, o Senhor nos confiará ainda mais. Depois, participaremos da sua alegria, no céu. O nosso patrão é exigente, porém, é justo.




“Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: ‘Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso, fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que lhe pertence’” (v. 24 e 25). O terceiro empregado já sabia, a priori, o perfil do seu patrão. Porém, mesmo assim, ele faz questão em lhe desagradar, enterrando o que recebeu. Nós já fomos previamente avisados pelo próprio Jesus acerca do que acontece quando, de livre e espontânea vontade, nos esquivamos no serviço de frutificação de seu Reino. Se não, é bom sabermos com as palavras da réplica do patrão: “Servo mau e preguiçoso! Tu sabias que eu colho onde não plantei e ceifo onde não semeei? Então, devias ter depositado meu dinheiro no banco, para que, ao voltar, eu recebesse com juros o que me pertence”. Se o dano é público, a repreensão igualmente deve ser pública. Aos servos criativos e disciplinados o patrão os saúda, enquanto que a este, nomina-lhe mau e preguiçoso como oposição a bom e fiel, pois fez questão de amargurar o seu senhor. A ganância deste empregado não permite nem que aquele valor frutifique em seu coração (banco). Não. Arbitrariamente, ele esconde, inclusive de si, o que recebeu bondosamente. Ai de nós se nos acontecer tal desgraça! Ouviremos dele: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25,41). O inferno é o lugar destinado para os maus e preguiçosos, principalmente dos que nada fizeram pelo crescimento da mensagem de Jesus pelo mundo.

A dinâmica do Reino escapa ao entendimento do mundo. Quando o patrão diz: “Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez! Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado” (v. 28 e 29), quer dizer que a causa do Reino tem pressa; o que tem dez tem maiores capacidades de fazê-lo multiplicar com mais eficiência. O Reino de Deus urge!

A Primeira Leitura nos apresenta a figura de uma mulher forte, temente ao Senhor. Tal como esta mulher que busca agradar ao seu marido, nós, Igreja do Senhor, devemos agradar-lhe. Iniciando pelo seu temor, nossas mãos devem ser habilidosas nos trabalhos a nós confiados, a fim de agradar ao nosso Deus. Assim como a boa dona-de-casa é versada em seus muitos afazeres, tornando-se até criativa, tendo o desejo de que tudo esteja em perfeita ordem e harmonia, assim devem ser os cristãos. Nos mais variados apostolados modernos, devemos ser versados em Deus, utilizando a nossa criatividade para uma maior eficácia no assunto. Toda esta versatilidade é iniciada pelo temor do Senhor. Entendamos temor, neste trecho, como respeito pelo sagrado, pelas coisas do Senhor. Por este motivo, o salmista afirma: “Feliz és tu, se temes o Senhor e trilhas seus caminhos! Do trabalho de suas mãos hás de viver, serás feliz, tudo irá bem! […] Será assim abençoado todo homem que teme o Senhor. O Senhor te abençoe de Sião, cada dia de tua vida” (Sl 127, 1-2. 4-5). Temer e servir ao Senhor é a felicidade do homem, tal como nos garante a Oração de Coleta desta Liturgia: “Senhor, nosso Deus, fazei que a nossa alegria consista em vos servir de todo coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o criador de todas as coisas”.


Estejamos preparados. São Paulo nos incita na Segunda leitura de hoje: “Sejamos vigilantes e sóbrios” (1Ts 5, 6). À iminência do Senhor, gememos como em dores de parto, gritando: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22, 20), e ele nos escuta. São Paulo nos garante que somos “filhos do dia. Não somos nem da noite, nem das trevas” (1Ts 5, 5). Portanto, estejamos serenos, não devemos tremer (ter medo), pois, como diz o povo em sua sabedoria: “Quem não deve não teme”; e, mais ainda, como nos lembra a Antífona de Entrada de hoje: “Meus pensamentos são de paz e não de aflição, diz o Senhor” (Jr 29, 11). “Naquele tremendo e glorioso dia”, o Dies Irae, colheremos nada mais, nada menos o que plantamos nesta terra de peregrinos. Receberemos o prêmio conforme o que trabalhamos.

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