(ANO B – 18 DE MARÇO DE 2011)
I Leitura: 2Cr 36,
14-16.19-23
Salmo Responsorial:
Sl 136 (137),1-2.3.4-5.6 (R/.6a)
II Leitura: Ef 2,4-10
Evangelho: 3, 14-21
(Jesus vida e luz)
Queridos irmãos,
A Liturgia deste domingo, logo na Antífona de Entrada, faz-nos
uma proposta: “Laetáre, Jerúsalem: et
convéntum fácite, omnes qui dilígitis eam: gaudéte cum laetítia, qui in
tristítia fuístis: ut exsultétis, et satiémini ab ubéribus consolatiónis
vestrae – Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que
estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas
consolações” (Is 66, 10-11). Por este motivo, existe uma tradição litúrgica de
denominar este IV Domingo da Quaresma de Laetáre
(“Alegra-te!”), ou seja, porque o Senhor nos vai consolar, nos vai salvar.
Alguns sacerdotes, seguindo esta antiqüíssima tradição, em lugar da cor roxa,
utilizam os paramentos de cor rósea, justamente para, na amenização do roxo,
manifestar a alegria que a salvação traz à humanidade.
Inspira-nos igualmente este júbilo comedido a Oração de
Coleta: “Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a
reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das
festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando de fé”.
Sem fugir desta temática, a Liturgia da Palavra de hoje, já
na Primeira Leitura e a partir dela no restante, apresenta-nos um dado
importantíssimo: em toda a História da Salvação (desde a criação da humanidade
até a Páscoa de Jesus, o Redentor Filho de Deus), e tudo o que dela segue e
pertence, a misericórdia de Deus é uma constante. Com a perícope do Segundo
Livro de Crônicas, a Magistra Ecclésia
(Mestra Igreja) quer nos mostrar, pela releitura teológico-histórica que o
Livro Sagrado nos apresenta, como, apesar da infidelidade do povo, Deus é fiel
e misericordioso. Assim, o texto refletido mostra que, tanto os chefes dos
sacerdotes quanto o povo, sem exceção de ninguém, pecaram gravemente tal como
se não conhecem a vontade do Senhor, chegando ao máximo pecado da profanação do
“Templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém” (cf. 2Cr 36, 14).
Com uma atitude paciente, porém ativa – típica da iniciativa
de Deus, o que não constitui paradoxo –, Deus sempre lhes ia ao encontro
através de mensageiros, ou seja, os profetas e os sinais que cada tempo lhes
oferecia. Mas, por que o Senhor fazia isso? O autor do texto claramente alude:
“Porque tinha compaixão do seu povo e da sua própria casa” (v. 15).
Constatamos, então, que Deus está sempre próximo aos seus, não está logrado
distante de Israel; Israel é a casa do Senhor; Ele habita aí. Em meio aos
amores de um Deus extremamente apaixonado pelo seu povo, correspondiam-no com
contrariedades já que “eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas
palavras – e continua o hagiógrafo – até que o furor do Senhor se levantou
contra o seu povo e não houve mais remédio” (v. 18). Quem são estes mensageiros
de Deus rejeitados pelo povo? Os profetas até Jesus, Plenitude da Revelação
Divina.
A invasão de Israel pelos babilônios não era sinonímia da
impotência do Senhor. Não! Muito pelo contrário! Diante da miséria e tragédias
implantadas no seu país, na sua amada Jerusalém e no seu já profanado Templo,
presenciando tanta cena de destruição, morte de muitos entes queridos e de
cativeiro, o povo de Israel é chamado a uma pedagogia: Deus nos ama; somos-lhe
ingratos; por causa do nosso pecado nos veio o castigo, a desolação merecida.
No entanto, não é somente esta a certeza que Israel deve tirar; Deus quer dar
um feliz complemento a esta situação histórica, mas, acima de tudo, teológica:
o povo arrepende-se, converte-se e o Senhor lhes salva.
É por Ciro que a libertação vem? Não! Ciro será apenas um
instrumento escolhido por Deus dentro de um contexto político-histórico que é
enxertado de um pano de fundo teológico, inclusive, tal certeza é colocada na
boca e punho de Ciro, um pagão, como proclamação da liberdade de Israel: “Assim
fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor encarregou-me de lhe construir um templo em
Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos pertence ao seu
povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho” (v.
23). Na figuração do Antigo Testamento, a destruição do Templo significava
dizer a destruição de todo Israel; a sua reconstrução, a vivificação do país.
Assim sendo, a profanação do Templo simbolizava que o povo está imerso no
pecado, já que o Templo é tido como centro do mundo judaico-israelita.
Para nós fica o invitatório de sempre reconhecermo-nos,
diante de nossas inúmeras infidelidades e misérias, pecadores. Ao tempo em que
somos chamados a reconhecer o dedo amoroso de Deus na nossa história, até mesmo
onde parecer absurdo. Quantas vezes estamos afastados do Templo, Deus, e
somente quando encontramos-nos no exílio do vazio trazido pelo pecado
lembramo-nos do Senhor, da distância que nos impusemos em relação a Ele? A
tristeza do salmista por estar longe do Templo, de sua amada terra, deve ser o
nosso brado quando estivermos longe Daquele que é o sentido do nosso existir,
da Alegria do nosso coração.
No Evangelho, vemos um trecho do diálogo de Jesus com
Nicodemos, justamente na parte em que o próprio Senhor prediz a sua paixão e
morte que, neste texto é simbolizada pela serpente de bronze (Jo 3, 14; Nm 21,
8-9). É por ele que o homem adquire a vida, nasce para uma vida imortal,
incorruptível, ou seja, a Vida Eterna. Esta doação de vida por parte de Deus
Pai, no Filho pelo Espírito Santo é a máxima expressão de seu amor e da fidelidade
de sua misericórdia e Aliança inextinguível. Para termos acesso à Graça da
Salvação oferecida a todo o gênero humano faz-se mister que creiamos naquele
que, “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e
assemelhando-se aos homens” (Fl 2,7). Quem crê em Jesus é da luz e todo o seu
ser igualmente torna-se transparência dessa luz que o mesmo Cristo, inclusive
nas ações cotidianas que, tantas e tantas vezes, nos aparentam ser banais e
não-influentes no processo de fé no Senhor, mas que são capazes de levar à luz
de cuja magnificência desejamos: a convivência com o próprio Deus. Quem crê em
Jesus é luz na terra e alcança a Luz do Céu, o próprio Senhor, a contemplação
de sua face.
É pela morte de Cristo pendurado na Cruz, tal como a serpente
na haste o prefigurava, que alcançamos a Vida vera, a Luz Beatífica. Neste
sentido, Santo Agostinho nos diz: “Existe uma diferença entre a figura e a
realidade: é que aqueles eram curados somente da morte temporal, voltando a uma
vida material, mas estes obtêm a vida eterna” (In Ioannem tract., 12).
Vejamos a Segunda Leitura. São Paulo, escrevendo aos
efésios, faz questão de afirmar a riqueza da misericórdia, fruto do seu imenso
amor manifestado, de uma forma especialíssima, na plenitude dos tempos, quando
envia o seu Cristo, ou seja, “quando estávamos mortos por causa das nossas
faltas, ele nos deu a vida” (Ef 2, 5). Mas o que fizemos de nobre, de
magnânimo, para recebermos a salvação, alvitre da benevolente misericórdia de
Deus? Absolutamente nada! Para frisar tal elemento, por duas vezes São Paulo
nos lembra: na primeira, “é por graça que vós sois salvos” (v. 5); e na
segunda, “é pela graça que vós sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de
vós; é dom de Deus! Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. Pois é ele
quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as boas obras, que Deus
preparou de antemão para que nós as praticássemos” (v. 8-10). Logo, tudo,
inclusive a nossa salvação, é gratuidade divina; as nossas boas obras são
obrigações morais que devem, ao menos, manifestar a nossa fé, pois, como nos
lembra São Tiago: “Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem
obras é morta” (Tg 2,26). Acompanha-nos
nesta linha de reflexão a Oração Pós-Comunhão desta nossa Liturgia: “Ó Deus,
luz de todo ser humano que vem a este mundo, iluminai nossos corações com o
esplendor da vossa graça, para pensarmos sempre o que vos agrada e amar-vos de
todo o coração".
Que nestes dias da Santa Quaresma, preparação eminente e
iminente para a Páscoa do Senhor, maior festa da cristandade, possamos nutrir
em nós a certeza da salvação e o anseio de, quanto mais breve, tornarmo-nos, em
sentido pleno, filhos da luz, inseridos na visão da Glória dos Eleitos, nossa
páscoa eterna, para, juntos e com o Ressuscitado, reinarmos para sempre. Amém.
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