sábado, 17 de março de 2012

IV DOMINGO DA QUARESMA


(ANO B – 18 DE MARÇO DE 2011)



I Leitura: 2Cr 36, 14-16.19-23
Salmo Responsorial: Sl 136 (137),1-2.3.4-5.6 (R/.6a)
II Leitura: Ef 2,4-10
Evangelho: 3, 14-21 (Jesus vida e luz)



Queridos irmãos,



A Liturgia deste domingo, logo na Antífona de Entrada, faz-nos uma proposta: “Laetáre, Jerúsalem: et convéntum fácite, omnes qui dilígitis eam: gaudéte cum laetítia, qui in tristítia fuístis: ut exsultétis, et satiémini ab ubéribus consolatiónis vestrae – Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66, 10-11). Por este motivo, existe uma tradição litúrgica de denominar este IV Domingo da Quaresma de Laetáre (“Alegra-te!”), ou seja, porque o Senhor nos vai consolar, nos vai salvar. Alguns sacerdotes, seguindo esta antiqüíssima tradição, em lugar da cor roxa, utilizam os paramentos de cor rósea, justamente para, na amenização do roxo, manifestar a alegria que a salvação traz à humanidade.


Inspira-nos igualmente este júbilo comedido a Oração de Coleta: “Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando de fé”.


Sem fugir desta temática, a Liturgia da Palavra de hoje, já na Primeira Leitura e a partir dela no restante, apresenta-nos um dado importantíssimo: em toda a História da Salvação (desde a criação da humanidade até a Páscoa de Jesus, o Redentor Filho de Deus), e tudo o que dela segue e pertence, a misericórdia de Deus é uma constante. Com a perícope do Segundo Livro de Crônicas, a Magistra Ecclésia (Mestra Igreja) quer nos mostrar, pela releitura teológico-histórica que o Livro Sagrado nos apresenta, como, apesar da infidelidade do povo, Deus é fiel e misericordioso. Assim, o texto refletido mostra que, tanto os chefes dos sacerdotes quanto o povo, sem exceção de ninguém, pecaram gravemente tal como se não conhecem a vontade do Senhor, chegando ao máximo pecado da profanação do “Templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém” (cf. 2Cr 36, 14).


Com uma atitude paciente, porém ativa – típica da iniciativa de Deus, o que não constitui paradoxo –, Deus sempre lhes ia ao encontro através de mensageiros, ou seja, os profetas e os sinais que cada tempo lhes oferecia. Mas, por que o Senhor fazia isso? O autor do texto claramente alude: “Porque tinha compaixão do seu povo e da sua própria casa” (v. 15). Constatamos, então, que Deus está sempre próximo aos seus, não está logrado distante de Israel; Israel é a casa do Senhor; Ele habita aí. Em meio aos amores de um Deus extremamente apaixonado pelo seu povo, correspondiam-no com contrariedades já que “eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras – e continua o hagiógrafo – até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio” (v. 18). Quem são estes mensageiros de Deus rejeitados pelo povo? Os profetas até Jesus, Plenitude da Revelação Divina.


A invasão de Israel pelos babilônios não era sinonímia da impotência do Senhor. Não! Muito pelo contrário! Diante da miséria e tragédias implantadas no seu país, na sua amada Jerusalém e no seu já profanado Templo, presenciando tanta cena de destruição, morte de muitos entes queridos e de cativeiro, o povo de Israel é chamado a uma pedagogia: Deus nos ama; somos-lhe ingratos; por causa do nosso pecado nos veio o castigo, a desolação merecida. No entanto, não é somente esta a certeza que Israel deve tirar; Deus quer dar um feliz complemento a esta situação histórica, mas, acima de tudo, teológica: o povo arrepende-se, converte-se e o Senhor lhes salva.


É por Ciro que a libertação vem? Não! Ciro será apenas um instrumento escolhido por Deus dentro de um contexto político-histórico que é enxertado de um pano de fundo teológico, inclusive, tal certeza é colocada na boca e punho de Ciro, um pagão, como proclamação da liberdade de Israel: “Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho” (v. 23). Na figuração do Antigo Testamento, a destruição do Templo significava dizer a destruição de todo Israel; a sua reconstrução, a vivificação do país. Assim sendo, a profanação do Templo simbolizava que o povo está imerso no pecado, já que o Templo é tido como centro do mundo judaico-israelita. 


Para nós fica o invitatório de sempre reconhecermo-nos, diante de nossas inúmeras infidelidades e misérias, pecadores. Ao tempo em que somos chamados a reconhecer o dedo amoroso de Deus na nossa história, até mesmo onde parecer absurdo. Quantas vezes estamos afastados do Templo, Deus, e somente quando encontramos-nos no exílio do vazio trazido pelo pecado lembramo-nos do Senhor, da distância que nos impusemos em relação a Ele? A tristeza do salmista por estar longe do Templo, de sua amada terra, deve ser o nosso brado quando estivermos longe Daquele que é o sentido do nosso existir, da Alegria do nosso coração.


No Evangelho, vemos um trecho do diálogo de Jesus com Nicodemos, justamente na parte em que o próprio Senhor prediz a sua paixão e morte que, neste texto é simbolizada pela serpente de bronze (Jo 3, 14; Nm 21, 8-9). É por ele que o homem adquire a vida, nasce para uma vida imortal, incorruptível, ou seja, a Vida Eterna. Esta doação de vida por parte de Deus Pai, no Filho pelo Espírito Santo é a máxima expressão de seu amor e da fidelidade de sua misericórdia e Aliança inextinguível. Para termos acesso à Graça da Salvação oferecida a todo o gênero humano faz-se mister que creiamos naquele que, “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens” (Fl 2,7). Quem crê em Jesus é da luz e todo o seu ser igualmente torna-se transparência dessa luz que o mesmo Cristo, inclusive nas ações cotidianas que, tantas e tantas vezes, nos aparentam ser banais e não-influentes no processo de fé no Senhor, mas que são capazes de levar à luz de cuja magnificência desejamos: a convivência com o próprio Deus. Quem crê em Jesus é luz na terra e alcança a Luz do Céu, o próprio Senhor, a contemplação de sua face.


É pela morte de Cristo pendurado na Cruz, tal como a serpente na haste o prefigurava, que alcançamos a Vida vera, a Luz Beatífica. Neste sentido, Santo Agostinho nos diz: “Existe uma diferença entre a figura e a realidade: é que aqueles eram curados somente da morte temporal, voltando a uma vida material, mas estes obtêm a vida eterna” (In Ioannem tract., 12).


Vejamos a Segunda Leitura. São Paulo, escrevendo aos efésios, faz questão de afirmar a riqueza da misericórdia, fruto do seu imenso amor manifestado, de uma forma especialíssima, na plenitude dos tempos, quando envia o seu Cristo, ou seja, “quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida” (Ef 2, 5). Mas o que fizemos de nobre, de magnânimo, para recebermos a salvação, alvitre da benevolente misericórdia de Deus? Absolutamente nada! Para frisar tal elemento, por duas vezes São Paulo nos lembra: na primeira, “é por graça que vós sois salvos” (v. 5); e na segunda, “é pela graça que vós sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. Pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as boas obras, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (v. 8-10). Logo, tudo, inclusive a nossa salvação, é gratuidade divina; as nossas boas obras são obrigações morais que devem, ao menos, manifestar a nossa fé, pois, como nos lembra São Tiago: “Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2,26).  Acompanha-nos nesta linha de reflexão a Oração Pós-Comunhão desta nossa Liturgia: “Ó Deus, luz de todo ser humano que vem a este mundo, iluminai nossos corações com o esplendor da vossa graça, para pensarmos sempre o que vos agrada e amar-vos de todo o coração".


Que nestes dias da Santa Quaresma, preparação eminente e iminente para a Páscoa do Senhor, maior festa da cristandade, possamos nutrir em nós a certeza da salvação e o anseio de, quanto mais breve, tornarmo-nos, em sentido pleno, filhos da luz, inseridos na visão da Glória dos Eleitos, nossa páscoa eterna, para, juntos e com o Ressuscitado, reinarmos para sempre. Amém.   

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