(Ano A – 25 de março de 2012)
I Leitura: Jr
31,31-34
Salmo Responsorial:
Sl 50 (51),3-4.12-13.14-15 (R/.12a)
II Leitura: Hb 5,7-9
Evangelho: Jo
12,20-33 (Morte e glorificação)
Queridos irmãos,
Eis que estamos nos aproximando das festas pascais. Por
isso, mergulhados no Evangelho de São João, contemplamos os passos firmes e
resolutos do Senhor, rumo à sua Paixão, Morte e Ressurreição. São os dias de
nossa redenção, recordados todos os anos pelo calendário litúrgico. A cada dia,
a Liturgia, pedagogicamente, nos insere nestes mistérios pascais, tonalizando o
nosso coração e vida à Ars Celebranda
Ecclesiae Christi (ao ofício de
celebrar da Igreja de Cristo).
No Evangelho de hoje, temos a narração de um fato que
aconteceu já na última fase da vida pública de Jesus, próxima à sua paixão,
morte e ressurreição, ou seja, a sua Páscoa. Estando Nosso Senhor em Jerusalém
para a maior festa dos judeus, a páscoa judaica, para cuja acorrência se
dirigiam os judeus espalhados por todo o mundo, inclusive os gregos (ou
prosélitos como eram denominados também) que, atraídos pelas maravilhas que
tinham presenciado em Jerusalém, quando da entrada triunfal de Jesus à saudação
de hosanas, querem ter um encontro mais pessoal com o Mestre. Neste intento, disseram
a Filipe: “Senhor, queremos ver Jesus!” (Jo 12, 21). Percebemos aqui uma sede
no coração desses adventícios em querer conhecer o Senhor. Esta necessidade é também
algo inerente ao coração de todos os homens, pois a fé lhe é conatural.
A uma primeira vista, meramente sorrateira, parece que o
Senhor não dá muita importância ao pedido daqueles gregos que desejavam vê-lo.
No entanto, essa opinião muda quando mergulhamos no versículo 32: “E eu, quando
for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Se aqueles homens queriam ver
Jesus, o Senhor afirma que a visão mais relevante se dará quando, na sua hora,
entregar-se pela salvação da humanidade no patíbulo da cruz. Se aqueles homens
desejam contemplar realmente Jesus, esta se dará na glorificação da cruz, como
profetizara Isaías, o “meu Servo prosperará, crescerá, elevar-se-á, será
exaltado. Assim como, à sua vista, muitos ficaram embaraçados - tão desfigurado
estava que havia perdido a aparência humana -, assim o admirarão muitos povos:
os reis permanecerão mudos diante dele, porque verão o que nunca lhes tinha
sido contado, e observarão um prodígio inaudito” (Is 52,13-15). É, pois, sob a
sombra do escândalo gritante e silencioso da cruz, numa cena repelente e
triunfante do Cristo crucificado, extenuado de dores, disforme, que o
encontramos glorificado. É nesta mesma cruz, onde repousa o santo e imaculado
corpo de Nosso Senhor, que acontece a reunião da humanidade redimida, atraída
para um só rebanho, sem distinção. Somente sob o Cristo Pascal é que
exclamaremos: “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na
cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim
e eu para o mundo” (Gl 6,14).
“Senhor, nosso Deus, dai-nos por vossa graça caminhar com
alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu
amor pelo mundo”. Assim rezamos na Oração de Coleta desta liturgia dominical. A
cruz do Senhor é a máxima expressão do seu amor perfeitíssimo porque além de,
por meio dela, remir-nos, congrega-nos no seu amor e no amor aos irmãos. Neste
sentido, o Papa Bento XVI, meditando acerca do versículo 32 do Evangelho de
hoje, afirma: “A cruz: a altura do amor é a altura de Jesus e a esta altura Ele
atrai a todos”, e completaríamos, indistintamente.
Outro trecho do Evangelho chama nossa atenção: “Se o grão de
trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se
morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem
faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna” (v.
24-25). No primeiro momento, uma linguagem parabólica que utiliza uma imagem
simplória, mas repleta de significado; na segunda parte, explicita claramente o
que deveras afirmaria de maneira figurativa. Jesus é o grão que livremente, decompõe-se,
explodindo de amor, se doa, para gerar vida abundante, tal como o trigo que, no
bojo da terra, apodrece, explode em germe, e deste faz brotar uma planta de
espigas douradas formadas por abundantes granículos. Diante do aparente paradoxo dotado de plena
realidade, temos o ideal cristão do seguimento: o perder para ganhar. Nesta
lógica, Santo Agostinho, comentando tal passagem, fomenta a nossa imitação ao
Cristo, desprendido de sua vida por amor: “Grande e maravilhosa verdade, no
homem isto é um amor por sua alma que a perde, e um ódio que a salva. Se a tens
amado exageradamente, a tens odiado; se tens odiado os excessos, então a tens
amado. Felizes aqueles que odiaram as suas almas salvando-a, e não a perderam por
haver-lhe amado demasiadamente” (Comment. in Ioan., 51,
10).
Paixão e Morte de Cristo: glorificação de Deus; derrota do
maligno; vitória e soerguimento da humanidade outrora ferida mortalmente pelo
pecado (cf. Jo 12,28.31). Sangue de Cristo: selo da Nova e Eterna Aliança entre
Deus e o Seu Novo Povo, verdadeira casa de Israel e Judá. Não mais como no
tempo de Jeremias, em que o reino, cujos súditos estavam exilados e escravizados,
estava dividido em duas casas (Judá e Israel), sendo, portanto, distantes e
rivais, mas sim como um único povo do Senhor, isto é a Igreja, Una e Imaculada.
Se no Antigo Testamento as alianças do Senhor para com o povo, realidades
prefigurativas da Nova e Eterna, eram representadas em aspectos insuficientes e
variados, a Vera Aliança habita corporalmente em uma pessoa, Jesus Cristo
crucificado, escandalosamente morto, como sinal de redenção para a humanidade
decaída e atolada em seus crimes e misérias. Portanto, é no absurdo e ignomínia
da cruz que reconheceremos, inconfundivelmente, o Senhor. E, ao vê-lo desta
forma, recordaremos a Aliança (cf. Jr 31,34). O Crucificado é a identidade do cristão
e o motivo de sua pregação: “mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo
para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos - quer
judeus quer gregos -, força de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1,23-24).
Na Segunda Leitura, como é típica da Carta aos Hebreus,
é-nos apresentado Jesus como Sumo Sacerdote da Nova e Eterna Aliança. Diz-nos a
perícope: “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas
com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo” (5,7). Esta
atitude é típica de quem é sacerdote, elevando orações a Deus. Porém, não se
trata de uma exterior oração, como que desvinculada da vida. Muito pelo
contrário, vida e oração de Jesus se confundem, por este motivo é atendido pelo
Pai. Ilustra-nos tal afirmativa a passagem: “E foi atendido, por causa de sua
entrega a Deus” (v. 7). Esta atitude de entrega do Senhor é averiguada no brado
final da cruz: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Mas o
que pedia filialmente Jesus ao Pai senão a nossa salvação? Cristo se fez
obediente ao Pai para os que lhe são obedientes. Em Jesus obediência e
sofrimento se misturam harmoniosamente; em nós, a obediência é sinônima de imitação
daquele que, “sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda
mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,8), o que não
nos isenta dos sofrimentos e cruzes da vida.
Que este restante do Santo Tempo da Quaresma nos auxilie
imensamente para a nossa preparação interior na celebração das festas pascais
que se aproximam; dias máximos em que revivemos, litúrgica e misticamente com a
Igreja, a bendita e sagrada Paixão de Nosso Senhor, que quis padecer e morrer
na cruz por nosso amor, para nossa redenção.
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