(Ano B – 02 de setembro de 2012)
I Leitura: Dt 4,1-2.6-8
Salmo Responsorial: Sl 14(15),2-3ab.3cd.4ab.5
(R/.1a)
II Leitura: Tg 1,17-18.21b-22.27
Evangelho: Mc 7,1-8.14-15.21-23 (Observância e
mandamentos)
Queridos irmãos,
O mundo hodierno,
imerso nos joguetes de inumeráveis explosões de informações que lhe são
lançadas, esteriliza-se à voz de Deus, à sua Palavra de Vida, por ser Palavra
de Salvação. Olvida-se da Palavra em prol das ‘palavras’, do vozerio de
corações outros que não o de Deus, fonte de toda a Graça e de toda bênção; do
vozerio de um mundo perturbado por conta de ideias igualmente conturbadas e,
pior, ateias. Diante deste complexo quadro, sabemos que se faz necessário um
discernimento e perguntamo-nos: Como faremos para escutar Deus? O que ele, em
seu amor, nos diz?
Deus não nos criou à
toa. E, para descobrirmos o porquê de nos haver querido, não precisamos de
muitas indicações, bastando-nos apenas a razão iluminada pela fé. Por elas,
chegamos à certeza de que ele nos criou para a Vida Nele. Sim, ‘Vida’ e não
‘vida’, porque como dissera Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivente”.
Dizemos estas coisas,
porque, na Revelação, ele nos deixa entrever acerca de si: Vivente; doador da
vida verdadeira. E como nos aportaremos nesta vida? A Liturgia de hoje, pela
Primeira Leitura, indicar-nos-á: “Agora, Israel, ouvi as leis e os decretos que
eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da
terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais” (Dt 4,1). Integralmente, a
Palavra de Deus eleva o homem. Dizemos integralmente porque muitos têm a
infeliz atitude de selecionar ao seu modo ‘retalhos’ das Divinas Palavras,
pretendendo ilusoriamente moldar a vida de Deus, proveniente dele, à mercê de
seus caprichos e opiniões pessoais.
Os mandamentos do
Senhor concentram em si as inteiras satisfações para a vida do homem. Ainda no
texto da Primeira Leitura, esta afirmação se esconde nos termos ‘sabedoria’ e
‘inteligência’. Logo, o que é sabedoria senão deixar-se guiar pelo Espírito de
Deus e, por meio dele, tornar-se próximo, íntimo das realidades transcendentais
a este mundo, pois, como assevera-nos Santo Agostinho: “São néscios todos
aqueles que desejam ver a Deus com os olhos exteriores, quando só pode ver-se
com o coração, segundo o que está escrito no livro da Sabedoria: ‘Busca-o por
meio da humildade de coração’ (Sb 1,1)” (De sermone
Domini, 1, 2)? Deixar-se guiar por Deus é
uma atitude típica dos humildes e, portanto, dos sábios. Já por inteligência,
entendamos uma razão lúcida diante das interpelações das realidades temporais.
Também esta é dom de Deus. Assim sendo, os mandamentos do Senhor auxiliam-nos
em nossa vida de interioridade e em nossa ação neste mundo.
Interessante é que estas verdades
acerca da importância da conservação e observância dos mandamentos do Senhor
encontram-se no quarto capítulo do Deuteronômio, cujo nome, proveniente do
grego, significa, segundas palavras. É aqui, neste livro, que temos o grande discurso
de Moisés antes de o povo adentrar na Terra Prometida, antes da morte deste
grande líder do povo hebreu, na região de Moab. No Deuteronômio, temos
compendiados tudo aquilo que era vontade do Senhor para o povo que iria
apossar-se de sua tão almejada terra; uma espécie de normas de conduta. Ali
estava toda a vontade de Deus para o seu povo, não precisando acrescer ou
adulterar nada, tal como nos indica a perícope: “Nada acrescenteis, nada
tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus
que vos prescrevo” (Dt 4,2). A eminente e fiel observância da palavra do Senhor
seria nota característica daquela nação, inclusive demonstrando essa intimidade
com o seu Deus, encontrando aí o seu benfazejo, a sua alegria e, porque não
dizer, a sua glória, tal como diz a própria leitura: “Pois, qual é a grande
nação cujos deuses lhe são tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o
invocamos? E que nação haverá tão grande que tenha leis e decretos tão justos,
como esta lei que hoje ponho diante dos teus olhos?” (v. 7-8). Por isso, o
salmo 32 canta: “Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus, e o povo que ele
escolheu para sua herança” (Sl 32,12).
Ser fiel observante daquilo que é
vontade do Senhor, dos seus mandamentos, é uma via ditosa que não se encerra
nesta terra de exílio, mas que nos aponta a uma realidade mais profunda: o céu.
Desta forma, o responsório do Salmo desta Liturgia Dominical questiona:
“Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará?”. O corpo
do Salmo 14 responderá no que sintetizamos ser uma vida de santidade e justiça.
Essas duas realidades são como um medidor eficiente de que somos ou não amantes
e cumpridores dos Divinos Preceitos.
No ápice das leituras proclamadas,
temos o Santo Evangelho. Depois de ter dado uma pausa na leitura do Evangelho
de Marcos, em exatos cinco domingos, lemos o capítulo sexto do Evangelho de São
João, acerca do discurso do pão da vida. Hoje, retornamos ao proto-evangelho de
Marcos e nos deparamos com as censuras de Jesus aos mestres da Lei e aos
fariseus que, vindos de Jesus, reuniram-se em torno de Jesus. Para que vieram?
Porque a pregação de Jesus atraia inúmeras multidões, incomodando as antigas
estruturas do judaísmo. Reuniram-se junto ao Cristo não para escutá-lo e
encontrarem aí alento, mas para flagrá-lo em palavras e ações que,
possivelmente, fossem de encontro ao judaísmo. Para que isso se fizesse, os
mestres da Lei e fariseus, não conseguindo achar alguma acusação em Jesus
contrária a Torá, recorreram às suas tradições vazias. Assim, agarrando-se em
questões acessórias e não fundamentais como a palavra de Deus, questionaram
Jesus irritando-o: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos
antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?”. Neste sentido, ajuda-nos na
compreensão São Beda, o Venerável, ao comentar tal passagem: “Haviam recebido
em um sentido material as palavras espirituais dos profetas, que se referiam à
correção do espírito e do corpo, dizendo: ‘Lavai-vos, purificai-vos’ (Is 1,16);
e: ‘Purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor’ (Is 52,11), e observavam
somente estes preceitos lavando-se corporalmente. Portanto, é tola a tradição
de lavar-se várias vezes para comer, havendo-o feito já uma vez, e de não comer
nada sem fazer antes estas purificações. No entanto, é necessário para os que
desejam participar do pão que desce do céu, o purgar com frequência as suas
obras com esmolas, lágrimas e os demais frutos de justiça. Necessário é
igualmente purificar sob a ação incessante dos bons pensamentos e obras as
manchas que possamos contrair nos cuidados temporais dos negócios. Assim, pois,
inutilmente os judeus lavam as mãos e se purificam exteriormente enquanto não o
fazem na fonte do Salvador. Em vão purificam seus vasos, sendo assim que
descuidam do lavar das verdadeiras manchas de seus corpos, isto é, as dos seus
espíritos” (In Marcum, 2, 29).
Os mestres da Lei e os fariseus
ofuscavam com as suas tradições a Palavra de Deus, promotora de vida e
liberdade por ser a verdade. Caiam na iniquidade prescrita pelo texto do
Deuteronômio, já refletido por nós: “Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que
vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo”
(Dt 4,2), por isso, Jesus dizer: “Este povo me honra com os lábios, mas seu
coração está longe de mim” (Mc 7,6). Muitas vezes, nosso coração se mancha no
descompromisso com a Palavra de Deus. Isso nos acontece quando nos apegamos às
falsas estruturas de vida e de religião, marginalizando o que é realmente
vontade de Deus em favor dos nossos ‘achismos’. E pior, podemos cair até na
censura de Jesus: “Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam
os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo” (Mt 23,4).
Logo, com o coração transviado, alheio à Palavra de Deus, porque chegamos a
adulterá-la, caímos em rigorismos vazios e opressores.
A vivência integral da Palavra, de per si, nos purifica, pois é a carta
magna do agir do cristão. Por isso, irmãos, não nos cansemos de adicionar à
nossa prática da Palavra a vivência do bem: “Escutai todos e compreendei: o que
torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu
interior. pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções,
imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades,
fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas
coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (Mc
7,14-15.21-23). Ou, como nos fala São Paulo: “Nenhuma palavra má saia da vossa
boca, mas só a que for útil para a edificação, sempre que for possível, e
benfazeja aos que ouvem. Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual
estais selados para o dia da Redenção. Toda amargura, ira, indignação, gritaria
e calúnia sejam desterradas do meio de vós, bem como toda malícia. Antes, sede
uns com os outros bondosos e compassivos. Perdoai-vos uns aos outros, como
também Deus vos perdoou, em Cristo” (Ef 4,29-32).
Na Segunda Leitura, temos São Tiago
que, em sua Carta, vai nos afirmar a importância das obras na prática da fé:
“Recebei com humildade a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de
salvar as vossas almas. Todavia, sede praticantes da Palavra e não meros
ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, a religião pura e sem mancha
diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações
e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,21b-22.27). Destarte,
consoantemente com o restante da Liturgia da Palavra deste domingo, a Segunda
Leitura reforça a importância de escutarmos a voz do Senhor e, com a nossa
vivência, deixarmos que ela frutifique, purificando-nos e purificando o mundo,
fazendo o bem, passando-a adiante. Pois para isto fomos gerados por ela (cf. Tg
1,18).
Que o Espírito Santo nos dê força e coragem
neste intento!
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