sábado, 1 de setembro de 2012

XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 02 de setembro de 2012)



I Leitura: Dt 4,1-2.6-8
Salmo Responsorial: Sl 14(15),2-3ab.3cd.4ab.5 (R/.1a)
II Leitura: Tg 1,17-18.21b-22.27
Evangelho: Mc 7,1-8.14-15.21-23 (Observância e mandamentos)


Queridos irmãos,


O mundo hodierno, imerso nos joguetes de inumeráveis explosões de informações que lhe são lançadas, esteriliza-se à voz de Deus, à sua Palavra de Vida, por ser Palavra de Salvação. Olvida-se da Palavra em prol das ‘palavras’, do vozerio de corações outros que não o de Deus, fonte de toda a Graça e de toda bênção; do vozerio de um mundo perturbado por conta de ideias igualmente conturbadas e, pior, ateias. Diante deste complexo quadro, sabemos que se faz necessário um discernimento e perguntamo-nos: Como faremos para escutar Deus? O que ele, em seu amor, nos diz?


Deus não nos criou à toa. E, para descobrirmos o porquê de nos haver querido, não precisamos de muitas indicações, bastando-nos apenas a razão iluminada pela fé. Por elas, chegamos à certeza de que ele nos criou para a Vida Nele. Sim, ‘Vida’ e não ‘vida’, porque como dissera Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivente”.


Dizemos estas coisas, porque, na Revelação, ele nos deixa entrever acerca de si: Vivente; doador da vida verdadeira. E como nos aportaremos nesta vida? A Liturgia de hoje, pela Primeira Leitura, indicar-nos-á: “Agora, Israel, ouvi as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais” (Dt 4,1). Integralmente, a Palavra de Deus eleva o homem. Dizemos integralmente porque muitos têm a infeliz atitude de selecionar ao seu modo ‘retalhos’ das Divinas Palavras, pretendendo ilusoriamente moldar a vida de Deus, proveniente dele, à mercê de seus caprichos e opiniões pessoais.


Os mandamentos do Senhor concentram em si as inteiras satisfações para a vida do homem. Ainda no texto da Primeira Leitura, esta afirmação se esconde nos termos ‘sabedoria’ e ‘inteligência’. Logo, o que é sabedoria senão deixar-se guiar pelo Espírito de Deus e, por meio dele, tornar-se próximo, íntimo das realidades transcendentais a este mundo, pois, como assevera-nos Santo Agostinho: “São néscios todos aqueles que desejam ver a Deus com os olhos exteriores, quando só pode ver-se com o coração, segundo o que está escrito no livro da Sabedoria: ‘Busca-o por meio da humildade de coração’ (Sb 1,1)” (De sermone Domini, 1, 2)? Deixar-se guiar por Deus é uma atitude típica dos humildes e, portanto, dos sábios. Já por inteligência, entendamos uma razão lúcida diante das interpelações das realidades temporais. Também esta é dom de Deus. Assim sendo, os mandamentos do Senhor auxiliam-nos em nossa vida de interioridade e em nossa ação neste mundo.


Interessante é que estas verdades acerca da importância da conservação e observância dos mandamentos do Senhor encontram-se no quarto capítulo do Deuteronômio, cujo nome, proveniente do grego, significa, segundas palavras. É aqui, neste livro, que temos o grande discurso de Moisés antes de o povo adentrar na Terra Prometida, antes da morte deste grande líder do povo hebreu, na região de Moab. No Deuteronômio, temos compendiados tudo aquilo que era vontade do Senhor para o povo que iria apossar-se de sua tão almejada terra; uma espécie de normas de conduta. Ali estava toda a vontade de Deus para o seu povo, não precisando acrescer ou adulterar nada, tal como nos indica a perícope: “Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo” (Dt 4,2). A eminente e fiel observância da palavra do Senhor seria nota característica daquela nação, inclusive demonstrando essa intimidade com o seu Deus, encontrando aí o seu benfazejo, a sua alegria e, porque não dizer, a sua glória, tal como diz a própria leitura: “Pois, qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? E que nação haverá tão grande que tenha leis e decretos tão justos, como esta lei que hoje ponho diante dos teus olhos?” (v. 7-8). Por isso, o salmo 32 canta: “Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus, e o povo que ele escolheu para sua herança” (Sl 32,12).


Ser fiel observante daquilo que é vontade do Senhor, dos seus mandamentos, é uma via ditosa que não se encerra nesta terra de exílio, mas que nos aponta a uma realidade mais profunda: o céu. Desta forma, o responsório do Salmo desta Liturgia Dominical questiona: “Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará?”. O corpo do Salmo 14 responderá no que sintetizamos ser uma vida de santidade e justiça. Essas duas realidades são como um medidor eficiente de que somos ou não amantes e cumpridores dos Divinos Preceitos.


No ápice das leituras proclamadas, temos o Santo Evangelho. Depois de ter dado uma pausa na leitura do Evangelho de Marcos, em exatos cinco domingos, lemos o capítulo sexto do Evangelho de São João, acerca do discurso do pão da vida. Hoje, retornamos ao proto-evangelho de Marcos e nos deparamos com as censuras de Jesus aos mestres da Lei e aos fariseus que, vindos de Jesus, reuniram-se em torno de Jesus. Para que vieram? Porque a pregação de Jesus atraia inúmeras multidões, incomodando as antigas estruturas do judaísmo. Reuniram-se junto ao Cristo não para escutá-lo e encontrarem aí alento, mas para flagrá-lo em palavras e ações que, possivelmente, fossem de encontro ao judaísmo. Para que isso se fizesse, os mestres da Lei e fariseus, não conseguindo achar alguma acusação em Jesus contrária a Torá, recorreram às suas tradições vazias. Assim, agarrando-se em questões acessórias e não fundamentais como a palavra de Deus, questionaram Jesus irritando-o: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?”. Neste sentido, ajuda-nos na compreensão São Beda, o Venerável, ao comentar tal passagem: “Haviam recebido em um sentido material as palavras espirituais dos profetas, que se referiam à correção do espírito e do corpo, dizendo: ‘Lavai-vos, purificai-vos’ (Is 1,16); e: ‘Purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor’ (Is 52,11), e observavam somente estes preceitos lavando-se corporalmente. Portanto, é tola a tradição de lavar-se várias vezes para comer, havendo-o feito já uma vez, e de não comer nada sem fazer antes estas purificações. No entanto, é necessário para os que desejam participar do pão que desce do céu, o purgar com frequência as suas obras com esmolas, lágrimas e os demais frutos de justiça. Necessário é igualmente purificar sob a ação incessante dos bons pensamentos e obras as manchas que possamos contrair nos cuidados temporais dos negócios. Assim, pois, inutilmente os judeus lavam as mãos e se purificam exteriormente enquanto não o fazem na fonte do Salvador. Em vão purificam seus vasos, sendo assim que descuidam do lavar das verdadeiras manchas de seus corpos, isto é, as dos seus espíritos” (In Marcum, 2, 29).




Os mestres da Lei e os fariseus ofuscavam com as suas tradições a Palavra de Deus, promotora de vida e liberdade por ser a verdade. Caiam na iniquidade prescrita pelo texto do Deuteronômio, já refletido por nós: “Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo” (Dt 4,2), por isso, Jesus dizer: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7,6). Muitas vezes, nosso coração se mancha no descompromisso com a Palavra de Deus. Isso nos acontece quando nos apegamos às falsas estruturas de vida e de religião, marginalizando o que é realmente vontade de Deus em favor dos nossos ‘achismos’. E pior, podemos cair até na censura de Jesus: “Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo” (Mt 23,4). Logo, com o coração transviado, alheio à Palavra de Deus, porque chegamos a adulterá-la, caímos em rigorismos vazios e opressores.


A vivência integral da Palavra, de per si, nos purifica, pois é a carta magna do agir do cristão. Por isso, irmãos, não nos cansemos de adicionar à nossa prática da Palavra a vivência do bem: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (Mc 7,14-15.21-23). Ou, como nos fala São Paulo: “Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que for útil para a edificação, sempre que for possível, e benfazeja aos que ouvem. Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados para o dia da Redenção. Toda amargura, ira, indignação, gritaria e calúnia sejam desterradas do meio de vós, bem como toda malícia. Antes, sede uns com os outros bondosos e compassivos. Perdoai-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou, em Cristo” (Ef 4,29-32).


Na Segunda Leitura, temos São Tiago que, em sua Carta, vai nos afirmar a importância das obras na prática da fé: “Recebei com humildade a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar as vossas almas. Todavia, sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,21b-22.27). Destarte, consoantemente com o restante da Liturgia da Palavra deste domingo, a Segunda Leitura reforça a importância de escutarmos a voz do Senhor e, com a nossa vivência, deixarmos que ela frutifique, purificando-nos e purificando o mundo, fazendo o bem, passando-a adiante. Pois para isto fomos gerados por ela (cf. Tg 1,18).



Que o Espírito Santo nos dê força e coragem neste intento!    

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