quinta-feira, 14 de março de 2013

HABEMUS PAPAM!




Ao vermos a fumaça branca saindo da chaminé mais famosa do mundo, a de um Conclave, adicionado ao repique festivo dos sinos da majestosa Basílica que abriga o corpo daquele que foi o primeiro Vigário de Cristo, o Apóstolo Pedro, ao tempo em que contemplávamos rostos, gritos de toda uma catolicidade à espera do seu pastor universal, a Doce Presença de Cristo sobre a Terra, arrepiávamo-nos de emoção ao saber que o novo Romano Pontífice já estava eleito e confirmado. Sim, eleito e confirmado: eleito pelo Sacro Colégio Cardinalício, mas confirmado pelo Senhor através do Seu Espírito Santo, já que Deus, em seu desígnio eterno, já havia escolhido aquele a quem confiaria o seu redil, tal como aconteceu com Simão, que mais cedo havia se tornado Pedro por mandato divino, o ‘Pedro Apóstolo, Príncipe dos Apóstolos’ (PAPA), quando inquirido por seu Mestre: Simon Ioannis, amas me? […] Pasce oves meas” – Simão, filho de João, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas (Jo 21,17).


E, depois de aproximadamente uma hora, exatamente às 20 horas e 12 minutos (horário local), enquanto a noite avançava gélida na ‘Cidade Lustrada pelo sangue dos Hérois de Cristo’, a ‘Cidade Eterna’, Roma, abrem-se, na sacada principal da Basílica, as janelas e as cortinas que privavam o balcão dos olhos ansiosos do mundo. E, mediante aplausos e brados de “Viva il Papa!”, aparece um pregoeiro que, com um corpo carcomido pelos anos, é portador de voz rouca e trêmula, quiçá fosse, além dos seus janeiros, por conta do misto entre o júbilo e a grandiosidade da notícia a ser divulgada: “Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam! Eminentissimum ac reverendissimum dominum, dominum, Georgium Marium Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Bergoglio, qui sibi nomen imposuit Franciscum” Era a rumor cálido que cortava o frio sentido pela multidão, era a frase que todos desejávamos escutar; palavras ansiadas e previstas para o cardeal francês, Jean-Louis Tauran. O eleito, um jesuíta, cardeal Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, até então Arcebispo de Buenos Aires. Logo, um ‘hermano nuestro’. A turba foi aos aplausos.


Quando o relógio de São Pedro cravava ponteiros em 20h23min, aparece o mais esperado argentino da história, os fiéis acolheram-no com festa. Francisco, mas que nome diferente para um papa? E, com a sua primeira aparição e fala, entendemos o porquê, ou pelo menos supomo-lo: o Bispo de Roma se nos vem apenas com uma sotaina branca, e, com o seu pronunciamento afável, entrevemos a humildade de São Francisco de Assis e o seu espírito de reformador da Igreja (“Francisco, reconstrói a minha Igreja!”, tal como ouvira o ‘pobrezinho de Assis’ no século XIII), mas não olvidamos de outro exemplo de santidade que, com o mesmo onomástico, também marcou a História da Igreja, o também jesuíta São Francisco Xavier, um grande missionário, desbravador de terras longínquas em prol do Evangelho, que viveu no século XVI: “Irmãos e Irmãs, boa noite! Vocês sabem que o dever do Conclave era de dar um Bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Mas, estamos aqui! Agradeço-vos pela acolhida da comunidade diocesana ao seu Bispo. Obrigado! Antes de tudo, gostaria de fazer uma oração pelo nosso Bispo Emérito Bento XVI . Rezemos todos juntos por ele, para que Deus o abençoe e Nossa senhora o proteja. E agora comecemos este caminho: Bispo e povo, povo e Bispo. Este é o caminho da Igreja de Roma que é aquela que precede na caridade todas as outras Igrejas. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós, um pelo outro, rezemos por todo o mundo, para que exista uma grande fraternidade. Desejo que este caminho da Igreja, que hoje começamos e que me ajudará o meu Cardeal Vigário aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta tão bela cidade. E agora gostaria de dar uma bênção, mas antes vos peço um favor: antes de o Bispo abençoar o povo, peço que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe. A oração do povo pedindo a bênção pelo seu Bispo. Façamos em silêncio esta oração de vocês por mim!”. Sendo sempre interrompido pelos aplausos.


Pois eis que o Espírito Santo, o grande artífice de toda a caminhada da Igreja, nos reservou uma grande surpresa, excelente, mas surpresa. Não nos cabe um juízo precipitado, ou mesmo enquadrarmos o 266º Vigário de Cristo em alas conformes aos padrões teológicos delineados ao bel-prazer de outrem. É a novidade do Paráclito! Esta é, como bem frisou Sua Santidade, uma página nova que se abre no livro da vida da Igreja. E “os filhos das trevas” já começam a traquinar contra o novo guia do leme da Barca de Pedro, isto é, da Igreja. Quanto a nós, “filhos da luz”, bastam-nos o grave e honroso deveres de rogar ao Senhor que abençoe o escolhido para apascentar as ovelhas de Cristo, o nosso já amado Papa: “Deus, Pastor e guia de todos os fiéis, olhai com bondade para o vosso servo o Papa Francisco, a quem pusestes como Pastor de vossa Igreja. Concedei-lhe que guie suas ovelhas com a palavra e o exemplo e, assim, ele e o rebanho alcancem a vida eterna. Por Cristo, nosso Senhor. Amém!”

   

segunda-feira, 11 de março de 2013

PEDRO?... SEM CHANCE!



Dom Fernando Arêas Rifan*


Toda a Igreja está em oração pelo bom sucesso do Conclave que se reúne para eleger o sucessor de São Pedro, o próximo Papa. Por mais que falem mal dela, os meios de comunicação se veem obrigados a confessar involuntariamente a importância excepcional que a Igreja tem na história do mundo e a repercussão que sua vida provoca em toda a humanidade.

Mas, infelizmente, os homens do mundo em geral só vêm a face humana da Igreja, não tendo capacidade de ver o que nela há de sobrenatural. “O homem natural (animal) não compreende as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras, nem as pode compreender, porque é espiritualmente que se devem ponderar” (I Cor 2, 14). Por isso o candidato a usar o anel do pescador, ao papado, é em geral analisado nos seus aspectos humanos e mundanos, sendo as qualidades do futuro Papa assim ressaltadas.

Sob esse prisma e pelos parâmetros atuais, como me disse certa vez um Cardeal, São Pedro não teria a menor chance de ser eleito em um Conclave. Com efeito, seu currículo era bem fraco e nada entusiasmante. Oriundo da Galileia  região não muito apreciada, pescador do lago de Genesaré, só falava uma língua, assim mesmo em dialeto, e não tinha grandes estudos.

Era um instável emocional e impulsivo, foi até chamado por Jesus de “satanás”, quer dizer, adversário, quando, com vistas humanas, quis impedi-lo de ir a Jerusalém para sofrer sua Paixão. Mesmo com todas as promessas a ele feitas, acabou fugindo quando Jesus foi preso, e, pior ainda, negou que o conhecia, para escapar de uma eventual prisão. Era, humanamente falando, alguém não confiável para exercer qualquer cargo de importância. E, se houvesse “mídia” naquele tempo, ele seria completamente desmoralizado. Numa banca de apostas, qual chance teria Pedro de ser eleito em um Conclave? Você apostaria nele e, se fosse Cardeal, votaria nele?

“Meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é o meu, diz o Senhor, mas tanto quanto o céu está acima da terra, tanto é superior à vossa a minha conduta e meus pensamentos ultrapassam os vossos” (Is 55, 8-9).

Assim, “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Pedro foi a “pedra” escolhida por Jesus para ser o fundamento de sua Igreja, o primeiro Papa, o seu “vigário” aqui na terra. Assim como Jesus, “a pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular” (Mt 21, 42). Pedro caracteriza bem a Igreja, em seu aspecto humano e divino. 

Fraca e forte, desprezível e imbatível, sacudida, mas indefectível, cheia de pecadores, mas santa em sua doutrina e na sua graça. E isso por causa da garantia que lhe dá o próprio Jesus Cristo. A vinda do Espírito Santo transformou aquele pescador em um sábio poliglota, em um valente defensor de Cristo, até com a própria vida. Por isso, apesar de todas as fraquezas da sua parte humana, ele recebeu o carisma de confirmar os seus irmãos na Fé e de apascentar as ovelhas e os cordeiros do Senhor. E os poderes do Inferno jamais prevalecerão contra a Igreja, edificada sobre essa pedra: “Non praevalebunt! (Mt 16, 18)”.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

sábado, 9 de março de 2013

IV DOMINGO DA QUARESMA


 (Ano C - 10 de março de 2012)



Pelo Seminarista André Fernandes

I Leitura: Js 5,9a.10-12
Salmo Responsorial: Sl 33 (34),2-3.4-5.6-7 (R/.9a)
II Leitura: 2Cor 5,17-21
Evangelho: Lc 15,1-3.11-32 (Filho pródigo)


Caros irmãos e irmãs, na fé trinitária, a "graça e paz da parte de Deus, o Pai e do Senhor Nosso Jesus Cristo na potência do Espírito Santo",


Eis que adentramos à metade da bendita via dos exercícios da Sagrada Quaresma. A Igreja celebra neste Domingo o quarto do supracitado Tempo Litúrgico. Observamos na venerável pedagogia da Liturgia deste domingo, através dos sinais vislumbrados e experimentados com os nossos sentidos, o mistério da fé. Esse domingo é há mui conhecido de maneira vulgar como o "Domingo da Alegria". À grosso modo, podemos, a priori, indagar-nos: Por que a Igreja, prestes a celebrar a Páscoa anual do Filho de Deus, cognomina o presente "Dies Domini", como "Domenica in Laetare"? Por que este regozijamento, uma vez que "o Esposo ser-nos-á tirado"? É justificativa tamanha alegria?


Recordemos que o Domingo é a Páscoa de Cristo. É o dia por antonomásia. É o primeiro dia da Nova Criação sancionada na Aliança sempiterna do Novo Adão. É o oitavo dia! O referido dia pascal em que a Igreja, na porção dos seus fieis engendrados nas águas santificantes do lavacro batismal, reúne-se, tal como os primeiros cristãos, para celebrar a memória atualizada, o "zikaron", da Páscoa de Cristo: sua crua Paixão Morte e refulgente Ressurreição ao terceiro dia. Ainda somos formados pela Igreja em permanecermos sabidos de que no Domingo algum cristão utilizar-se-á das práticas exteriores da Quaresma.  Os domingos são subtraídos dos quarenta dias.


O Quarto Domingo da Quaresma é, como já pontuamos, o Domingo Laetare. Segundo a tradição, neste dia,  com um sentimento de júbilo,a Igreja benzia outrora a "rosa" e outrossim é marcado pelas palavras, com as quais, o sacerdote introduz a Liturgia hodierna, presente na Antífona da Entrada, extraída do Livro do Profeta Isaías: "Regozija-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações" (cf. Missal Romano).


Neste dia, o sacerdote, tem a faculdade de usar o róseo na vestição dos sagrados paramentos, porquanto significa a quebra do roxo e adição do branco que posteriormente cingirá os sacerdotes ao decurso dos cinquenta dias do Tempo "em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado".


Observemos, irmãos, quão rico é o ensinamento que a Igreja nos insere, quando, na Liturgia, abstraímos a Catequese. O Papa Emérito Bento XVI nos admoesta: "A melhor catequese é uma Liturgia bem celebrada". É neste ponto em que podemos experimentar, como dissera Santo Agostinho, "a Beleza que salva". Na Liturgia, nós nos encontramos com o nosso nada, como Moisés, na visão teofânica da sarça: "Não te aproximes! Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa" (cf. Êx 3, 4) uma vez que é nossa pequenez o magno acesso e condição única para celebrarmos, como nos diz São Josemaría Escrivá de Balaguer, "o rigor da Liturgia".


Eis, Domenica in Laetare! Porque é anunciada a alegria do Mistério Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo que, na árvore da obediência, realizou a consumação da sua vida como vontade do Pai para resgate de muitos. A alegria cristã que prorrompe dos nossos mais profundos intentos é a certeza da vida eterna, fruto da nossa reconciliação com Deus em seu Filho, o Pio Pelicano, como ilustra Santo Tomás na belíssima peça "Adoro-Te devote", "uma só gota do vosso sangue purificar-nos-á".


À Primeira Leitura, do Livro de Josué, contemplamos a concretização do poderio de Adonai para com Israel que, após a servidão no Egito e a idolatria, abandonando o Deus de seus pais, e nas duras pelejas à caminho da 'terra da promessa' é nesta introduzido. Ei-la: Canaã! A terra prometida desde Abraão aos seus descendentes. Ela é significado pleno da liberdade do Senhor para com o povo eleito, segregado para reconhecê-Lo como Aquele que fez bem todas as coisas.


O fato por excelência que Israel precisara fazer memória doravante e perpetuado para as gerações é o Êxodo, ou seja, a travessia da escravidão para a liberdade, deste modo a Páscoa! "Hoje tirei de cima de vós o opróbrio do Egito".  Com isto, o que Deus quer exortar para o seu povo? É como se dissesse: - Faraó foi derrotado! Faraó e seu grandioso exército foram tragados pelas águas! Deus estabelece, como bem já sabemos, com tamanho evento, uma aliança com o seu povo, um pacto de amor por predileção!


Ainda percebemos na Primeira Leitura que o maná caído desde lá, quando das murmurações no deserto, é cessado. "O maná cessou de cair no dia seguinte, quando comeram dos frutos da terra. Os israelitas não mais tiveram o maná. Naquele ano comeram dos frutos da terra de Canaã" (cf. Js 9, 12)  O que nos leva a entender tamanha imagem? O maná já não é mais necessário. O povo de Deus fora empossado da terra preparada desde todo o sempre. O maná era um anuncio que Deus prepara maravilhas. Canaã, terra da fartura, "onde leite e mel são corridos", consoante a Sagrada Escritura para, servindo-se dessa ilustração, mostre a Páscoa. Podemos, ainda assim, trazer para a nossa vivência cristã o quadro de Israel, Canaã e o maná.


A Igreja é o Novo Israel do Senhor; o novo Povo de Deus, prefigurado e estado já no primeiro Israel. No mergulho da pia batismal, fomos enxertados, tais como ramos, à preciosíssima Oliveira, isto é, ao Corpo Místico de Cristo, logo, tornamo-nos um povo de sacerdotes, uma nação santa e, destarte, um povo a peregrinar para a verdadeira Canaã, a Jerusalém do Alto, na qual consumiremos do Pão dos Anjos tido já hoje para nós já na Eucaristia, tal como o é, pré-gustação, antevisão e penhor da Páscoa eterna. Eis! Israel colhera da semeadura da terra para se alimentar. E nós, o que executaremos? Como assinala o apóstolo São João, numa de suas missivas, "veremos a Deus, tal qual Ele é!" Esta será a alegria de todos os homens após as lamúrias desta terra de Adão!


Na Segunda Leitura, ouvimos da boca do Apóstolo das Gentes, São Paulo, a saber, o desenvolvimento solene da teologia do homem novo a partir de Cristo. "Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo" (cf. 2 Cor 5,17ss). À lume da Palavra de Deus explanada pelo venerável apóstolo, podemos, na dinâmica da Quaresma, fazer um acurado exame da nossa consciência. O que será este "está em Cristo"? Ainda me comporto como se fosse "inimigo da cruz de Cristo", menosprezando o gesto sacerdotal e reconciliador da sua oferta por causa de mim? Será às trevas serem a minha morada?


"Está em Cristo" é viver a capacidade da liberdade interior alcançada para nós, ainda que não merecedores, pelos méritos da Sua Paixão redentora. O convite do Apóstolo à comunidade cristã já foi ouvido por nós, na Celebração da Quarta-Feira de Cinzas: "Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus" (Ibidem).  "Está em Cristo" é buscar a constante reconciliação com Deus e com os irmãos através do longínquo e contínuo processo de "metanoia", ou seja, radicalidade de mentalidade, transformarmos a nossa maneira de pensar e agir, para "produzirmos bons frutos".


A tônica desta Sagrada Liturgia é colocada no Evangelho. Neste, as duas leituras ouvidas, encontram a profunda síntese. Uma vez que celebramos o Domingo da Alegria, a Palavra de Deus, nos reserva, no ano de São Lucas, o quadro da parábola dita do "Filho Pródigo". Em verdade, trata-se do capítulo quinze de Lucas, assinalado como "As três parábolas da misericórdias". Ei-las  a saber: a da ovelha perdida, a da dracma perdida e, por fim, a do filho perdido e o filho fiel, conhecida como "o filho pródigo".


Ao limiar, percebemos a presença dos fariseus e os escribas que condenavam a hospitalidade de Nosso Senhor para com os publicanos e pecadores. Acerca disso exorta-nos o Papa Bento XVI: "Encontramos aqui dois grupos, dois 'irmãos': publicanos e pecadores; fariseus e escribas. Jesus responde-lhes com três parábolas: com as 99 ovelhas que ficaram em casa e a ovelha perdida; com a parábola da dracma perdida; e, finalmente, acrescenta outra e diz 'um homem tinha dois filhos'. Trata-se, portanto, dos dois.’’ (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 180)


Jesus é incisivo com os fariseus e escribas que se consideravam detentores da Lei de Moisés de maneira tal à emancipar-se, estabelecendo juízos temerários. Ao depararmo-nos com a alegoria da Parábola do Pai misericordioso podemos aferir o desígnio de salvação, a Aliança estabelecida em Cristo, advindo da parte do Pai, do seio da Trindade Santíssima, para "salvar o que estava perdido".


O Evangelho pormenoriza toda a decisão dos filhos e é justamente aí a centralidade da literalidade do gênero literário, a parábola. Aquele declara: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe. E o pai dividiu os haveres entre  eles". Qual o significado deste gesto?  Na Filosofia moderna diríamos ser a declaração da 'morte de Deus', conforme a ideia de Nietzsche dentre alhures. A decisão do filho mancebo é o sonho de ser livre, de emancipar-se. Fazer da sua existência uma satisfação vazia. Não devendo satisfação a ninguém. É a triste ilustração da conjuntura do homem moderno. Deus é um ser que em minha vida não deve intrometer-se.  Eu me basto! "Dá-me a parte que me cabe!" É a debalde utopia da autossuficiência. 


O distanciamento do filho para com o pai foi catastrófico, o que, deveras, podemos, a partir deste fato, vislumbrar o amor de Deus deixando-nos livres para escolhermos entre o caminho da plena felicidade ou a perdição eterna. O Senhor respeita as nossas conclusões. Nas entrelinhas do Evangelho, somos surpreendidos pelas consequências, às quais, o filho mais novo passará. É a vida mergulhada na escolha pelo pecado: "Foi ele para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada" (Ibidem).


A resolução de vivermos por nós mesmos conduz-nos a referida distância pela qual fora conduzido o pródigo. A distância é vista aqui como privação da graça de Deus, sem a qual, vivemos apenas da aparência. Nas terras longínquas, o filho viveu uma vida desmedida. Um prazer destruidor. É clarividente tamanha realidade quando escutamos de uns e outros a satisfação de si pelo possuir, por concentrar nos bens transitórios, as suas esperanças.


Abandonado na imundície da iniquidade, aquele filho, sente a necessidade de manter-se, porque a herança que lhe fora merecida foi arremessada ao lixo. Eis: vai trabalhar cuidando dos porcos! Para a mentalidade cultural-religiosa do crente judeu, o porco é tido como um animal impuro: "(...) servir aos porcos é então a expressão da extrema alienação e da extrema miséria do homem. O totalmente livre tornou-se um escravo miserável" (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 181) E esta a condição imersa quando decidimos abdicarmo-nos de Deus: somos, ligeiramente, conduzidos para cuidar dos porcos, ou seja, rastejamos, mendigamos, maculamos a suma dignidade da humanidade que, em Jesus Cristo, atingiu o seu máximo!


O pródigo cai por terra na situação de penúria. Nalguma daquela situação poderia suprir as suas necessidades. .Logo é acometido pelo exame de consciência. A má liberdade só não rouba a consciência doutrem: "Quantos empregados do meu pai tem pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados" (Ibidem).  O sinal da consciência é perlustrar as atitudes, as decisões, desta maneira, reconhecemos as nossas transgressões ferindo a aliança que Deus, conosco, estabelecera.
  

A resolução em regressar para o Pai é o processo de 'metanoia', converter-se da antiga forma de perceber-se e decidir. "Vou voltar para o meu Pai".  O gesto soberano do Pai sinaliza a própria misericórdia, cuja personificação é o Filho de Deus, como nos exorta o Papa Bento XVI, citando Santo Irineu de Lião: "O braço do Pai é o Filho". E assegura o Papa: "quando Ele coloca esse braço nos nossos ombros como o 'seu doce jugo'; então não é nenhum peso nos carregar, mas sim um gesto de amorosa aceitação" (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 183).


Em Cristo, o Verbo encarnado, crucificado e ressuscitado a face misericordiosa de Deus atinge a plenitude da perfeita caridade porque Ele, "Deus de Deus" aniquila-se ao homem e abraça-o! Na verdade, é na ara da Cruz que o Senhor com os seus braços abertos, elevados, acolhe os pródigos desde à desobediência de Adão.


Que acolhida permeada de "hesed", ou seja, de profunda bondade, na qual, enxergamos a misericórdia! "'Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho.  E colocai um  anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado'. E começaram a festa'". Eis: o filho transviado recobrou a dignidade perdida pelo pecado. Esse festim é o caudaloso manancial da salvação presente realmente nos sacramentos, sobretudo, aqui, trata-se da Penitência e da Eucaristia.  A túnica e  o anel posto no dedo nos recorda a reconciliação operada e o banquete é o mistério sacrossanto da Sagrada Eucaristia, banquete sacrifical, no qual a Vítima é o Cordeiro Pascal, pelo qual exultantes ficamos.


Que a celebração deste Quarto Domingo da Quaresma, Laetare, seja-nos propício a robustecermos a alegria da nossa profissão de fé em Cristo morto e ressuscitado, para, no dia último, tomarmos parte da Páscoa eterna, a perene alegria. Ao Filho de Deus, o primogênito de entre os mortos, a sabedoria, a adoração e a reverência pelos séculos infindos. Amém!

segunda-feira, 4 de março de 2013

“CREIO EM DEUS, CRIADOR DO CÉU E DA TERRA...” (PARTE II)




Na primeira parte de nossa redação, tratávamos acerca da criatura angélica. Hoje, como nos propusemos anteriormente, falaremos sobre a criatura humana. Para tanto, cremos que seja interessante fazermos desde já uma citação bíblica que nos norteará, aguçando o nosso tino de fé. Assim, com o salmista, questionamo-nos: “Quid est homo, quod memor es eius, aut filius hominis, quoniam visitas eum?” – Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles?” (Sl 8,5).
            Com a sua ação criadora, Deus cunha o homem e o dota de uma nobreza inigualável a nenhuma criatura da terra: “Faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram; et praesint piscibus maris et volatilibus caeli et bestiis universaeque terrae omnique reptili, quod movetur in terra” – Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra (Gn 1,26); e ainda, no Salmo 8: “Minuisti eum paulo minus ab angelis, gloria et honore coronasti eum et constituisti eum super opera manuum tuarum. Omnia subiecisti sub pedibus eius” – Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o coroastes. Destes-lhe poder sobre as obras de vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo (Sl 8,6-7).
Mesmo possuidor de um corpo, cujo arquétipo fisiológico é único, o homem é também constituído de uma alma animal, que lhe faz um ser vivo, tal como as feras, as aves e os demais componentes do reino animália, mas também de uma alma espiritual, parte mais sublime do seu ser, porque é substância espiritual, detentora de inteligência e de vontade, capaz de conhecer a Deus e de O possuir eternamente. E toda esta realidade transcendental por conta da racionalidade que lhe é característica. Não se pode ver nem apalpar a alma, porque é espírito. Porém, esta realidade espiritual é imortal, ao contrário da corporal.
O homem, dotado de transcendentalidade, e, por conta desta, de racionalidade, é livre em todas as suas ações, em suas escolhas, inclusive para não optar por Deus, o que se constitui uma tremenda negação ao Ser Supremo, Absoluto, Doador de Vida, o que sintetizamos na palavra ‘soberba’ ante Deus, ao tempo em que contribuímos, portanto, para a desarmonia e desordem causadas pelo ato de pecar. Única criatura terrena capaz de amar Deus – ou como denominara Santo Agostinho “capax Dei”[1] (capaz de Deus), o homem é chamado a experimentar a infinita grandeza do Altíssimo. Igualmente por isto é que se reforça a ideia afirmada pelo Gênesis de que o homem foi criado à Sua imagem e semelhança. 
Ao fazer o homem, representado nas Sagradas Escrituras pelas figuras de Adão (etimologicamente, o que é proveniente do barro) e Eva (“mãe de todos viventes” – Gn 3,20), Deus o coloca no estado de inocência e de graça, não obstante a rapidez com que ele perde, pelo pecado, tal condição originária, atraindo para si, junto com o pecado, a morte.  Além da inocência e da graça santificante, Deus concedeu aos nossos primeiros pais, Adão e Eva, e a partir deles, outros dons que eles deveriam transmitir, juntamente com a graça santificante, aos seus descendentes: a integridade, isto é, a perfeita sujeição dos sentidos à razão; a imunidade de todas as dores e misérias; e a ciência proporcionada ao seu estado; e, como já dissemos anteriormente a imortalidade, pois “Stipendia enim peccati mors” – O preço do pecado é a morte (Rm 6,23).
Todo o pecado cometido por nós parte da soberba, tal como prefigura a desobediência de Adão, também proveniente de sua presunção: “Scit enim Deus quod in quocumque die comederitis ex eo, aperientur oculi vestri, et eritis sicut Deus scientes bonum et malum. Vidit igitur mulier quod bonum esset lignum ad vescendum et pulchrum oculis et desiderabile esset lignum ad intellegendum; et tulit de fructu illius et comedit deditque etiam viro suo secum, qui comedit” – Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal. A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente (Gn 3,5-6).
E qual a consequência de tudo isto? Adão e Eva, bem como toda a sua descendência, perderam a graça de Deus e o direito que tinham ao céu, foram expulsos do Paraíso Terrestre, sujeitos a muitas misérias na alma e no corpo, e condenados a morrer (cf. Gn 3).
            Diante do que, sinteticamente, já foi apresentado por nós, principalmente no tocante a esta última afirmativa, poderemos, levados pelo anseio investigativo da fé, indagarmos: Se Adão e Eva não tivessem pecado, ficariam livres da morte? A Sã Doutrina responder-nos-á: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, mas se tivessem conservado fiéis a Deus, depois de uma permanência feliz e tranquila neste mundo, teriam sido levados por Deus ao Céu, sem morrer, a gozar uma vida eterna e gloriosa” (Terceiro Catecismo Romano, 60). Se o homem não tivesse pecado, ou seja, tivesse permanecido fiel a Deus pela obediência, estas benesses originárias, inclusive a da vida eterna e gloriosa, dar-se-iam pelo beneplácito divino e não por seus próprios méritos e esforços, sendo por isso gratuitas e preternaturais.
Muito embora, o primeiro pecado tenha sido cometido por Adão, porque todo pecado é pessoal, esta má escolha, fruto de sua vontade, resultou em desgraça para toda a humanidade: “Sicut enim per inoboedientiam unius hominis peccatores constituti sunt multi...” – Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores... (Rm 5,19); e ainda: “Propterea, sicut per unum hominem peccatum in hunc mundum intravit, et per peccatum mors, et ita in omnes homines mors pertransiit, eo quod omnes peccaverunt” – Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram (Rm 5,12), tendo em vista que a santidade originária que habitava em Adão também seria transmitida a toda a humanidade. É nosso porque, tendo Adão pecado como cabeça e fonte de todo o gênero humano, é transmitido por geração natural a todos os seus descendentes, e por isso para nós é pecado original. Por pecado original, o Catecismo da Igreja Católica definirá: “É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama ‘pecado’ por analogia: é um pecado ‘contraído’ e não ‘cometido’; um estado, não um ato. Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual” (CIC 404-405).
A Doutrina Católica afirma que todos os homens (exceto a Virgem Maria que foi reservada sem pecado pelos méritos e em vista da encarnação do Filho de Deus)  nascem manchados com o pecado original, e, por este, a natureza humana tornou-se rebelde a Deus, e, por isto, inclinada ao mal. Assim, de pai para filho, junto com a essência humana, há uma transmissão do pecado original. Não que o pecado seja genuinamente inerente ao homem e à sua ontologia, mas foi-lhe adicionada. Destarte, pecar não é humano, mas é uma ‘anomalia’ do espírito do homem, já que o mal, por não ter sido querido por Deus, invadiu a Sua obra criadora, inclusive o homem pelo mesmo homem, perturbando-a.
Após o seu pecado, a porta do Paraíso Terrestre foi fechada ao homem, que foi expulso da feliz existência nesta terra, que se tornou, um ‘vale de lágrimas’ (cf. Gn 3,23-24). O homem perde a expectativa de vida, não poderia salvar-se. No entanto, por muito querer o que criara, a obra-prima de seu amor, Deus nunca abandonou o gênero humano, muito embora a infidelidade do homem para com Ele; Deus não nos esquece à nossa própria sorte. Em Sua misericórdia infinda, prometeu, de imediato, a Adão um Redentor divino (cf. Gn 3,15), enviando-o na ‘plenitude dos tempos’ (cf. Gl 4,4) para libertar os homens da escravidão do demônio e do pecado. Este Salvador do gênero humano é Jesus Cristo, o ‘Novo Adão’, como o designara São Paulo (cf. 1Cor 15,45).
Queridos irmãos, com estas considerações acerca do homem, encerramos a nossa sintética ‘catequese’, neste Ano da Fé, acerca do proto-artigo do nosso Credo: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”. Em nosso próximo encontro iniciaremos a nossa reflexão acerca do segundo e do terceiro artigos desta mesma Profissio Fidei: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo”. Esperamos que estes nossos encontros, embora breves e um tanto pobres por serem superficiais, estejam sendo uma ocasião propícia para um maior despertar e enraizar da nossa adesão a Deus pela Igreja, pelo que ela, Sua Esposa fiel, piamente acredita e ensina. Que o Espírito Santo nos auxilie com os seus sete dons!    


[1] "A mente é a imagem de Deus, na medida em que é capaz de ele e pode ser também participante dele". Santo Agostinho, De Trinitate, XIV: 8.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

“CREIO EM DEUS, CRIADOR DO CÉU E DA TERRA...” (PARTE I)




No embrenhar-se do Ano da Fé, ainda tratando sobre o primeiro artigo do Credo, queremos tratar brevemente sobre as criaturas de Deus, detendo-nos, nesta ocasião, nos anjos, que juntamente com os homens, são expressão magna da obra da criação. Estas nossas palavras não atingirá um estudo aprofundado (tal como fazemos no curso de Teologia, principalmente nas disciplinas de Antropologia Teológica e Angelologia), porém se primará pela compreensão catequética do assunto abordado.
Proveniente da língua helênica, a palavra anjo (αγγηλος) não se trata do nome das criaturas celestiais, inteligentes e puramente espirituais, ou seja, sem corpo, mas da sua função: anjo, como vulgarmente chamamos a essas pessoas, inteligentes, celestiais, invisíveis, e por isso incorpóreos, imortais, em grego denota a sua atividade de mensageiro. Desta forma, o Catecismo da Igreja Católica, promulgado pelo Bem-Aventurado Papa João Paulo II, na tentativa de denominar os anjos, recorre a um conceito de anjos utilizado por Santo Agostinho. Para o Santo Bispo de Hipona: “Anjo é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz” (Santo Agostinho, En. In Psal. 103,1,15, in: Catecismo da Igreja Católica, 329). Os anjos são as criaturas mais nobres da criação, pois contemplam Deus em sua glória, tal como Ele é.  
Deus, em sua sabedoria e em seu poder indescritíveis, cria as pessoas angelicais com a finalidade de ser servido e honrado por eles. É neste serviço que eles encontram o seu prazer e a sua felicidade. Embora sejam cônscios deste dado, alguns anjos, movidos pela soberba, não foram fiéis a Deus e tiveram a presunção de querer ser iguais a Ele, prescindindo-se do seu poder. Por tamanha discrepância que resultou em pecado, as criaturas angelicais rebeldes foram excluídas do Paraíso e condenadas eternamente ao Inferno. Aqui, acha-se a origem do que sabemos por demônios, cujo chefe denomina-se Lúcifer ou Satanás.
Os demônios podem fazer-nos mal à alma e ao corpo, incitando-nos a pecar. Fazem isto pela inveja que sentem de nós ao querer a nossa eterna condenação, e por ódio a Deus, de quem somos imagem e semelhança. Deus permite aos demônios que nos tentem. A tentação não foi indiferente também a Jesus, Verbo de Deus Encarnado, verdadeiramente homem e Deus (cf. Mt 4,1-11; Mc 1,13; Lc 4,1-13; Mt 26,42; Mc 14,36; Lc 22,42). Mas, por que Deus permite sermos tentados? Deus assim o permite para que nós possamos vencer as tentações com a sua Graça, praticando as virtudes, e, no término da nossa existência nesta terra, alcançarmos o céu. A maneira mais certa de vencermos as tentações é com o auxílio da vigilância, da oração e da mortificação cristã. Por isso, alenta-nos São Paulo: “Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1Cor 10,13).
Em contraposição aos demônios, temos os anjos que são fiéis a Deus. Além da designação corriqueira, chamamos-lhes também de anjos bons, espíritos celestes. A estes, Deus os confirma na graça, dando-lhes a Sua visão, concedendo-lhes a honra de amá-Lo, bendizê-Lo e louvá-Lo eternamente.
Quando tecíamos acerca da natureza angelical, afirmávamos que os anjos são seres puramente espirituais, insensíveis, amorfos, criados por Deus para subsistirem, sem terem de estar unidos a corpo algum. No entanto, estética e artisticamente, representamos os Anjos com formas sensíveis e até antropomorfizada para auxiliar a nossa imaginação e compreensão. Esta prática não o fazemos aleatoriamente, mas baseados nas Escrituras, quando, por exemplo, o Senhor manda que Moisés esculpa dois querubins na arca da aliança (cf. Ex 25,18-20) e os borde nas cortinas do tabernáculo (cf. Ex 36,8).
As Sagradas Escrituras também atestam o papel dos anjos como ministros de Deus.  Neste intuito, reza o Catecismo da Igreja Católica: “Ei-los, desde a criação (cf. Jó 38,7, onde os anjos são chamados ‘filhos de Deus’) e ao longo de toda a história da salvação, anunciando de longe ou de perto esta mesma salvação, e postos ao serviço do plano divino da sua realização: eles fecham o paraíso terrestre (cf. Gn 3,24); protegem Ló (cf. Gn 19), salvam Agar e seu filho (cf. Gn 21,17), detêm a mão de Abraão (cf. Gn 22,11), pelo seu ministério é comunicada a Lei (cf. At 7,53), são eles que conduzem o povo de Deus (cf. Ex 23,20-23), anunciam nascimentos (cf. Jz 13) e vocações (cf. Jz 6,11-24; Is 6,6) assistem os profetas (cf. 1Rs 19,5) – para não citar senão alguns exemplos. Finalmente, é o anjo Gabriel que anuncia o nascimento do Precursor e o do próprio Jesus (cf. Lc 1,11.26)” (Catecismo da Igreja Católica, 332). E no parágrafo seguinte, o Catecismo continuará atestando acerca da relação entre Jesus e os anjos: “Da Encarnação à Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é rodeada da adoração e serviço dos anjos. Quando Deus ‘introduziu no mundo o seu Primogênito, disse: Adorem-n'O todos os anjos de Deus’ (Hb 1, 6). O seu cântico de louvor, na altura do nascimento de Cristo, nunca deixou de se ouvir no louvor da Igreja: ‘Glória a Deus [...]” (Lc 2, 14). Eles protegem a infância de Jesus (cf. Mt 1,20; 2,13.19), servem-n'O no deserto (Mc 1,13; Mt 4,11) e confortam-n'O na agonia (cf. Lc 22,43) no momento em que por eles poderia ter sido salvo das mãos dos inimigos (cf. Mt 26,53) como outrora Israel (cf. 2Mc 10,29-30;11,8). São ainda os anjos que ‘evangelizam’ (cf. Lc 2,10), anunciando a Boa-Nova da Encarnação (cf. Lc 2,8-14) e da Ressurreição (cf. Mc 16,5-7) de Cristo. E estarão presentes no retorno da segunda vinda de Cristo, que anunciam (cf. At 1,10-11), ao serviço do seu juízo (cf. Mt 13,41;25,31; Lc 12,8-9). E não somente isto, Deus, especialmente, confia a muitos dentre eles o ofício de nossos guardas, protetores e intercessores: “Cada fiel é ladeado por um anjo como protetor e pastor para conduzi-lo à vida” (São Basílio, Ad. Eunomium 3,1). Por tal motivo, devermos sempre rezar ao nosso anjo da guarda, honrando-o, implorando o seu auxílio, seguindo as suas inspirações razões, reconhecendo a assistência contínua que nos dá.
            Queridos irmãos, aqui discorremos um pouco sobre mais um componente da nossa Profissio Fidei, do nosso Credo. Em outro momento, ainda no bojo do primeiro artigo “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”, trataremos sobre a segunda parte da criação: a humanidade. Desde já, rogo aos Santos Anjos de Deus que rejam, guardem, governem e iluminem a todos nós.

Até breve!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"CREIO EM DEUS PAI..."



Queridos irmãos,


Ao iniciarmos a nossa reflexão sobre a Profissão de Fé da Igreja de Cristo, o nosso Credo, dizemos por primeiro, convictamente, “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”. Esta parte é considerada o primeiro dos doze artigos componentes do Símbolo de Fé que pia e fielmente professamos com a Santa Mãe e Mestra Igreja. Antes, porém, de discorrermos sobre a Pessoa Divina do Pai, faz-se interessante meditarmos sobre a essência de Deus.


Quem, por natureza, é Deus? Tratamos Deus com os mais diversos atributos: o Glorioso, o Altíssimo, o Senhor... Existe uma definição que por nós é muita querida: Deus é o Santo. A santidade de Deus por nós enlevada soa em hebraico como kadosh, traduzido para o grego Águios, que em português denota ‘o Separado’, ou seja, Aquele que não está submetido às leis do século, do mundo. Por isso, é Onipotente, Onipresente, Onisciente (tudo pode, não se limita a espaços, tudo sabe, respectivamente). Deus é totalmente o Outro, o que não implica dizer que esteja alheio à humanidade e ao mundo, já que muito se interessa por suas criaturas, por Lhe serem muito caras.


Entretanto, a essência de Deus é ‘traduzida’ por São João, o Teólogo, como “Amor”: Deus Caritas est. Qui non diligit non cognovit Deum – Deus é Amor. Aquele que não ama não conhece a Deus (cf. 1Jo 4,8). O amor, que é Deus, não apenas permanece no seio da Santíssima Trindade, no relacionamento entre as Pessoas Divinas (Pai, Filho e Espírito Santo), mas é a comunicação de Deus à criação. Logo, Deus cria, salva e santifica, comunica-se conosco, revelando-se, nos dá a felicidade porque é amor. Já sabendo a substância de Deus, passemos ao primeiro artigo do Credo: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”.


De imediato, já vislumbrando esta afirmativa, a nossa fé, unida à justa razão, trata da paternidade de Deus. Antes de ser um adjetivo humano, a priori ser Pai é a designação da primeira Pessoa da Santíssima Trindade: Deus Pai. Teologicamente, é a partir desta qualificação divina que os homens dotados de prole, de filhos, recebem igual chamamento. Sabemos que Deus possui a eminência em tudo o que é: Suma Bondade, Verdade, Sabedoria, Beleza, Justiça, Santidade, etc., por ser o autor de tudo, não prescindindo de nada para realizá-lo. Os pais humanos possuem a paternidade por alusão e não pelo estrito sentido da palavra, tal como Deus é; são cópias da paternidade divina. Mas, por que falamos de Deus como Pai quando referimos-nos a primeira Pessoa da Trindade? A Sã Doutrina da Igreja afirmará como causa primeira que isto acontece porque é Pai, por natureza, da segunda Pessoa da Santíssima Trindade, isto é, do Filho por Ele gerado antes de todos os séculos. Desde toda a eternidade, Deus Pai gera seu Filho, que é Deus como Ele, da mesma substância que Ele. Desde toda a eternidade, o Filho, que é chamado Verbo, está no Pai. Desde toda a eternidade, o Pai e o Filho amam-se e o Espírito Santo, terceira Pessoa da Santíssima Trindade, procede dessa relação que une o Pai e o Filho. Depois, o Pai é assim chamado porque Ele cria, conserva e governa toda a humanidade. Igualmente, é Pai, pela graça, de todos os cristãos, os quais por isso se chamam filhos adotivos de Deus. Relacionado a esta nossa última afirmativa, o Catecismo da Igreja Católica afirma: “Pela graça do Batismo ‘em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’, somos chamados a compartilhar da vida da Santíssima Trindade, aqui na terra, na obscuridade da fé, e para além da morte, na luz eterna” (n. 265). O Pai nos faz seus filhos pelo Filho que nos redime e o Espírito Santo que nos unge. Acerca da Santíssima Trindade, o Pai não é tido primeira Pessoa por convenção, e sim porque não procede de outrem (princípio fontal), sendo o princípio das outras duas Pessoas (Principaliter), isto é, do Filho e do Espírito Santo.


Há pouco, dizíamos que Deus é Onipotente, Onipresente e Onisciente. A onipresença e a onisciência provêm da onipotência de Deus: Ele pode fazer tudo o que quer. Daí, com propriedade, chamarmos Deus de Todo-Poderoso. Perfeitíssimo em Si mesmo, o Pai pode fazer tudo, tudo mesmo. Este tudo poder fazer de Deus é-Lhe unicamente peculiar: somente Ele tem tal competência. Sendo Perfeito, não existe em Seu Ser fraqueza ou derrota. Assim sendo, não peca nem morre; o pecado e a morte são-Lhe estranhos. 


“In principio, creavit Deus caelum et terram” – No princípio, Deus criou o céu e a terra (Gn 1,1). Com esta declaração, inicia-se a Bíblia e toda a nossa história. In principio, ou seja, quando nada havia. A este nada damos o nome ex nihilo: Deus creavit omnium ex nihilo – Deus criou tudo do nada. Isto é dogma de fé! Portanto, o universo e tudo nele contêm não surgiram do acaso ou por si mesmos, mas unicamente de Deus. Agora, cabe-nos a consciência de que não sabemos como isto se deu. Aqui, abre-se um espaço para as mais diversas teorias acerca do surgimento do universo. Mas, em todas elas há um espaço para a capacidade criadora e ordenadora de Deus, uma vez que, de per si, essas teorias chegam a um ponto onde as palavras são insuficientes para explicar o óbvio: como tudo começou. Deus a origem: isto é inegável, mesmo que a ciência desdiga! Deus cria tudo do nada diferindo de um artífice humano, já que o Ser divino não precisa que algo preexista, tampouco necessite de auxílios para criar.


A Sagrada Escritura atesta o traço de Deus nas criaturas, que são rastros que provam a existência e a grandeza de Deus: “É a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor” (Sb 13,5). Santo Tomás de Aquino também utiliza o argumento da beleza e grandeza das criaturas como uma das cinco provas da existência de Deus.


Atribuímos a criação de tudo o que existe ao Pai. E isto não está errado. Porém, faz-se salutar termos em mente que tudo foi criado por Deus, que é Uno e Trino. O Pai cria por Sua Palavra, pelo Seu Verbo, que, humanado, recebe o nome de Jesus, no Espírito Santo. A Igreja ensina que a obra de uma Pessoa divina é relativa a toda a Trindade, já que as outras Pessoas, na imanência, assim a quiseram e a fizeram como um só e mesmo ato. O Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã, promulgado pelo Papa São Pio X, reza: “Atribui-se a criação particularmente ao Pai, porque a criação é efeito da onipotência divina a qual se atribui particularmente ao Pai, como se atribui a sabedoria ao Filho e a bondade ao Espírito Santo, embora todas as três Pessoas tenham a mesma onipotência, sabedoria e bondade” (n. 30).


Onipresente e Onisciente, Deus não se ausenta da Sua criação, conservando-a e governando-a, com a sua infinita bondade e sabedoria, e nada sucede no mundo, sem que Ele o queira, ou o permita. Sim, aqui é preciso que estabeleçamos uma distinção importante: o querer e a permissão de Deus. O querer de Deus estabelece-se no bem de Suas criaturas: Ele as criou por amor e não quer que elas sejam relegadas ao mal, à infelicidade, à distância Dele. No entanto, o Criador deu aos seres inteligentes (anjos e homens) a liberdade, o livre-arbítrio, a capacidade de escolha. Destarte, quando não escolhemos o bem, quando ingressamos e primamos pelo mal, pelo pecado, o que não é vontade de Deus, Ele não o impede, porque, em Seu poder e sabedoria, respeita o querido por suas criaturas e consegue, até mesmo do abuso que o homem faz da liberdade, tirar um bem, e fazer resplandecer ainda mais a sua misericórdia ou a sua justiça.


Amados irmãos, aqui iniciamos uma brevíssima catequese acerca de Deus Pai. Esta é apenas a primeira parte. Em nosso próximo encontro, iremos tratar sobre a criação dos anjos e dos homens, assunto também compreendido no primeiro artigo do Credo Católico.
            
Até lá!

EU CREIO; NÓS CREMOS; CREMOS NA FÉ DA IGREJA

Queridos irmãos,


A partir de hoje, dentro do clima do Ano da Fé, iniciado em 11 de outubro de 2012 pelo Papa Bento XVI e estendido até a Solenidade de Cristo Rei do Universo (em 24 de novembro deste ano), tendo em vista o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II e o vigésimo ano da promulgação do Catecismo da Igreja Católica pelo Beato João Paulo II, propomo-nos a refletir com os nossos estimados leitores acerca da Profissão de Fé, vulgarmente conhecido como ‘Credo’. Para tanto, durante algumas semanas estaremos tratando sobre a atitude de crer e, a partir desta, discorreremos, catequeticamente, acerca de cada um dos artigos da Profissão de Fé Católica, recebida diretamente do Cristo, transmitida a nós pelos Apóstolos e seus sucessores, mas que por nós foi recepcionada no dia do nosso Batismo, através de uma adesão de nossa parte.


No despontar do Ano da Fé, Sua Santidade, o Papa Bento XVI, preparando este momento comemorativo e derivante da “primavera da Igreja”, o Vaticano II, escreve, em 11 de outubro de 2011, em forma de Motu Próprio, um documento denominado “Porta Fidei” (Porta da Fé), afirmando: “Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é ‘a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força’ (Sacrosanctum Concilium 10). Simultaneamente, esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade”. (Porta Fidei 9). Porém, não obstante os votos do Romano Pontífice, temos o delineamento das expectativas para este Ano da Fé: “Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano” (Porta Fidei 9).


Na dinâmica divina, Deus se revela ao homem a fim de que este possa acolhê-lo e corresponder-lhe através da fé. Todos os homens, por conta de sua razão, são capazes de crer, por serem aptos ao transcendental. É conatural ao homem esta sede do infinito, e, portanto, de Deus. Dizemos ‘Creio’, na primeira pessoa do singular (Eu Creio), porque esta resposta ao amor de Deus pela fé é pessoal, individual, com uma subjetividade coadunada àquilo que a Igreja fielmente professa. Cada um de nós é chamado a fazer esta experiência pessoal com Deus que acontece na Igreja. A ação de crer, mesmo sendo uma resposta a Deus pela fé, é também um dom que Dele emana, pois o Espírito Santo nos concede tal dádiva: “Por isso, eu vos declaro: ninguém, falando sob a ação divina, pode dizer: Jesus seja maldito e ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão sob a ação do Espírito Santo” (1Cor 12,3). Logo, antes de se imbricarem, a dupla dimensão da atitude de crer se dá, concomitantemente, como um ato livre de cada um em resposta à graça divina que lhe é concedida.


Jesus, antes de sua Ascensão, ordena aos seus discípulos, e, portanto à sua Igreja: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15); ou como destrincha São Mateus: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19-20). Anunciar os conteúdos do Evangelho e, contida neste, da fé Católica e Apostólica é uma obrigação de todo cristão, que deve ser extremado pelo testemunho de vida. Viver e crer para o cristão é um imperativo, já que demos a nossa palavra pelas promessas batismais que nos fazem comprometidos com Deus. Por tal motivo, é importantíssimo que o cristão conheça e compreenda, para uma melhor vivência, a sua fé, a fé que antes é da Igreja.


Eu creio, nós cremos: eis a Fé da Igreja. Neste intuito, trilhemos pelas sendas deste bendito Ano que é para nós motivo de graça do Senhor, rumo à consumação da nossa fé, que é a realização da nossa esperança, Jesus Cristo nosso Salvador.