segunda-feira, 4 de março de 2013

“CREIO EM DEUS, CRIADOR DO CÉU E DA TERRA...” (PARTE II)




Na primeira parte de nossa redação, tratávamos acerca da criatura angélica. Hoje, como nos propusemos anteriormente, falaremos sobre a criatura humana. Para tanto, cremos que seja interessante fazermos desde já uma citação bíblica que nos norteará, aguçando o nosso tino de fé. Assim, com o salmista, questionamo-nos: “Quid est homo, quod memor es eius, aut filius hominis, quoniam visitas eum?” – Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles?” (Sl 8,5).
            Com a sua ação criadora, Deus cunha o homem e o dota de uma nobreza inigualável a nenhuma criatura da terra: “Faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram; et praesint piscibus maris et volatilibus caeli et bestiis universaeque terrae omnique reptili, quod movetur in terra” – Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra (Gn 1,26); e ainda, no Salmo 8: “Minuisti eum paulo minus ab angelis, gloria et honore coronasti eum et constituisti eum super opera manuum tuarum. Omnia subiecisti sub pedibus eius” – Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o coroastes. Destes-lhe poder sobre as obras de vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo (Sl 8,6-7).
Mesmo possuidor de um corpo, cujo arquétipo fisiológico é único, o homem é também constituído de uma alma animal, que lhe faz um ser vivo, tal como as feras, as aves e os demais componentes do reino animália, mas também de uma alma espiritual, parte mais sublime do seu ser, porque é substância espiritual, detentora de inteligência e de vontade, capaz de conhecer a Deus e de O possuir eternamente. E toda esta realidade transcendental por conta da racionalidade que lhe é característica. Não se pode ver nem apalpar a alma, porque é espírito. Porém, esta realidade espiritual é imortal, ao contrário da corporal.
O homem, dotado de transcendentalidade, e, por conta desta, de racionalidade, é livre em todas as suas ações, em suas escolhas, inclusive para não optar por Deus, o que se constitui uma tremenda negação ao Ser Supremo, Absoluto, Doador de Vida, o que sintetizamos na palavra ‘soberba’ ante Deus, ao tempo em que contribuímos, portanto, para a desarmonia e desordem causadas pelo ato de pecar. Única criatura terrena capaz de amar Deus – ou como denominara Santo Agostinho “capax Dei”[1] (capaz de Deus), o homem é chamado a experimentar a infinita grandeza do Altíssimo. Igualmente por isto é que se reforça a ideia afirmada pelo Gênesis de que o homem foi criado à Sua imagem e semelhança. 
Ao fazer o homem, representado nas Sagradas Escrituras pelas figuras de Adão (etimologicamente, o que é proveniente do barro) e Eva (“mãe de todos viventes” – Gn 3,20), Deus o coloca no estado de inocência e de graça, não obstante a rapidez com que ele perde, pelo pecado, tal condição originária, atraindo para si, junto com o pecado, a morte.  Além da inocência e da graça santificante, Deus concedeu aos nossos primeiros pais, Adão e Eva, e a partir deles, outros dons que eles deveriam transmitir, juntamente com a graça santificante, aos seus descendentes: a integridade, isto é, a perfeita sujeição dos sentidos à razão; a imunidade de todas as dores e misérias; e a ciência proporcionada ao seu estado; e, como já dissemos anteriormente a imortalidade, pois “Stipendia enim peccati mors” – O preço do pecado é a morte (Rm 6,23).
Todo o pecado cometido por nós parte da soberba, tal como prefigura a desobediência de Adão, também proveniente de sua presunção: “Scit enim Deus quod in quocumque die comederitis ex eo, aperientur oculi vestri, et eritis sicut Deus scientes bonum et malum. Vidit igitur mulier quod bonum esset lignum ad vescendum et pulchrum oculis et desiderabile esset lignum ad intellegendum; et tulit de fructu illius et comedit deditque etiam viro suo secum, qui comedit” – Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal. A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente (Gn 3,5-6).
E qual a consequência de tudo isto? Adão e Eva, bem como toda a sua descendência, perderam a graça de Deus e o direito que tinham ao céu, foram expulsos do Paraíso Terrestre, sujeitos a muitas misérias na alma e no corpo, e condenados a morrer (cf. Gn 3).
            Diante do que, sinteticamente, já foi apresentado por nós, principalmente no tocante a esta última afirmativa, poderemos, levados pelo anseio investigativo da fé, indagarmos: Se Adão e Eva não tivessem pecado, ficariam livres da morte? A Sã Doutrina responder-nos-á: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, mas se tivessem conservado fiéis a Deus, depois de uma permanência feliz e tranquila neste mundo, teriam sido levados por Deus ao Céu, sem morrer, a gozar uma vida eterna e gloriosa” (Terceiro Catecismo Romano, 60). Se o homem não tivesse pecado, ou seja, tivesse permanecido fiel a Deus pela obediência, estas benesses originárias, inclusive a da vida eterna e gloriosa, dar-se-iam pelo beneplácito divino e não por seus próprios méritos e esforços, sendo por isso gratuitas e preternaturais.
Muito embora, o primeiro pecado tenha sido cometido por Adão, porque todo pecado é pessoal, esta má escolha, fruto de sua vontade, resultou em desgraça para toda a humanidade: “Sicut enim per inoboedientiam unius hominis peccatores constituti sunt multi...” – Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores... (Rm 5,19); e ainda: “Propterea, sicut per unum hominem peccatum in hunc mundum intravit, et per peccatum mors, et ita in omnes homines mors pertransiit, eo quod omnes peccaverunt” – Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram (Rm 5,12), tendo em vista que a santidade originária que habitava em Adão também seria transmitida a toda a humanidade. É nosso porque, tendo Adão pecado como cabeça e fonte de todo o gênero humano, é transmitido por geração natural a todos os seus descendentes, e por isso para nós é pecado original. Por pecado original, o Catecismo da Igreja Católica definirá: “É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama ‘pecado’ por analogia: é um pecado ‘contraído’ e não ‘cometido’; um estado, não um ato. Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual” (CIC 404-405).
A Doutrina Católica afirma que todos os homens (exceto a Virgem Maria que foi reservada sem pecado pelos méritos e em vista da encarnação do Filho de Deus)  nascem manchados com o pecado original, e, por este, a natureza humana tornou-se rebelde a Deus, e, por isto, inclinada ao mal. Assim, de pai para filho, junto com a essência humana, há uma transmissão do pecado original. Não que o pecado seja genuinamente inerente ao homem e à sua ontologia, mas foi-lhe adicionada. Destarte, pecar não é humano, mas é uma ‘anomalia’ do espírito do homem, já que o mal, por não ter sido querido por Deus, invadiu a Sua obra criadora, inclusive o homem pelo mesmo homem, perturbando-a.
Após o seu pecado, a porta do Paraíso Terrestre foi fechada ao homem, que foi expulso da feliz existência nesta terra, que se tornou, um ‘vale de lágrimas’ (cf. Gn 3,23-24). O homem perde a expectativa de vida, não poderia salvar-se. No entanto, por muito querer o que criara, a obra-prima de seu amor, Deus nunca abandonou o gênero humano, muito embora a infidelidade do homem para com Ele; Deus não nos esquece à nossa própria sorte. Em Sua misericórdia infinda, prometeu, de imediato, a Adão um Redentor divino (cf. Gn 3,15), enviando-o na ‘plenitude dos tempos’ (cf. Gl 4,4) para libertar os homens da escravidão do demônio e do pecado. Este Salvador do gênero humano é Jesus Cristo, o ‘Novo Adão’, como o designara São Paulo (cf. 1Cor 15,45).
Queridos irmãos, com estas considerações acerca do homem, encerramos a nossa sintética ‘catequese’, neste Ano da Fé, acerca do proto-artigo do nosso Credo: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”. Em nosso próximo encontro iniciaremos a nossa reflexão acerca do segundo e do terceiro artigos desta mesma Profissio Fidei: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo”. Esperamos que estes nossos encontros, embora breves e um tanto pobres por serem superficiais, estejam sendo uma ocasião propícia para um maior despertar e enraizar da nossa adesão a Deus pela Igreja, pelo que ela, Sua Esposa fiel, piamente acredita e ensina. Que o Espírito Santo nos auxilie com os seus sete dons!    


[1] "A mente é a imagem de Deus, na medida em que é capaz de ele e pode ser também participante dele". Santo Agostinho, De Trinitate, XIV: 8.

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