sábado, 23 de março de 2013

DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR


(Ano C – 24 de março de 2013)



Na Bênção dos Ramos: Lc 19,28-40

Na Missa:
I Leitura: Is 50,4-7
Salmo Responsorial: Sl 21 (22),8-9.17-18a. 19-20. 23-24 (+2a)
II Leitura: Fl 2,6-11
Evangelho: Lc 22,14 – 23,56

Pelo Seminarista André Fernandes


“Hosánna filio David: benedíctus, qui venít, in nómine Dómini. O Rex Israel: Hosánna in excélsis” (cf. Matth. 21,9)
    
Caros irmãos,

Com antífona da entrada do Missal Romano, principiamos a Semana Santa. Esta é, por excelência, a semana da peregrinação da Igreja de Cristo neste ‘lacrimárum valle’ até que venha a Páscoa perenal. Nela, somos conduzidos através da vivência Litúrgica, através dos ritos e da piedade,  para prepararmo-nos com mais proximidade à iminência do Tríduo Sacro do Crucificado-Ressuscitado. Aqui, o Corpo Místico de Cristo, encontra a sua seiva vital que é o Mistério Pascal, em três solenes dias, como num único, atualizamos, fazemos memória, no hoje, do evento da nossa salvação em Jesus, o Messias e o Novo Adão.


As primas palavras do Missal Romano nos inserem no que celebramos no domingo hodierno. Trata-se de dois grandes momentos atualizados na Liturgia. Se formos bons observadores, abriremos a nossa consciência, porque a Liturgia é totalmente pedagógica.  No Domingo precedente à Ressurreição de Nosso Senhor, celebramos a sua entrada triunfante como Rei e Messias de Israel. Jesus adentra, trepado no potro de jumenta, à Santa Cidade de Jerusalém, lembrando a profecia de Zacarias: “Exulta mui, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta. Ele eliminará os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém; o arco da guerra será eliminado. Ele anunciará a paz às nações. O seu domínio irá de mar a mar e do Rio às extremidades da terra” (Zc 9).


       Os evangelhos sinóticos, na narração do ministério messiânico de Jesus, sempre nos apontam esta subida de Nosso Senhor. Esta ida de Jesus para Jerusalém é constituída pela hora que chegara, como, de maneira singular é notada por São João no Livro dos Sinais. A hora da glorificação do Filho de Deus é aproximada quando, por libérrima e arcana vontade, decide montar num jumentinho para ser pregado na árvore da obediência. Detenhamo-nos ao primeiro momento desta Sagrada Liturgia: a solene procissão com os ramos de palmeira. Desde o século V, a Igreja faz esta procissão. Ela não é uma prática devocional como as vias-sacras e as procissões penitencias, mas é, deveras, parte da Celebração da Sagrada Eucaristia do Domingo de Palmas e da Paixão do Senhor.


Anterior à Reforma Litúrgica elaborada pelo Sagrado Concílio Vaticano II, o sacerdote, cingia-se de roxo, para celebrar a Eucaristia, para significar a paixão e morte de Nosso Senhor, o ‘homem das dores’, já narrado em prefiguração pelo Deutero-Isaías com o cântico do Servo Obediente,  no dito Livro da Consolação. Aí, faz-se o uso do pluvial vermelho.


Por que usarmos palmas? Por que adentra Jesus, o Filho de Deus, o sempiterno, à Cidade Santa de Jerusalém sobre um jumentinho? Lembremo-nos que os grandes reis entravam às suas cidades no lombo de cavalos o que era símbolo da supremacia, do domínio e da tirania.  Jesus mostra que veio trazer a paz para Jerusalém, o seu reinado; dissocia-se do esquema de Herodes e de Pôncio Pilatos. Cristo é Rei e Salvador. Toda a sua vida terrena estava voltada para o Pai desde o limiar do seu ministério apostólico, cuja culminância dar-se-á no madeiro da cruz. Os ramos que empunhamos durante a procissão são sinais de que cremos no reinado de Nosso Senhor; Ele é, digamos assim, ‘o novo Davi’, Aquele, do qual, a lâmpada da realeza davídica não se apagará.
A primeira leitura ouvida nessa sagrada Liturgia é extraída do segundo Livro do profeta Isaías. Trata-se duma longa poesia, na qual, misteriosamente, é-nos exposta a figura do Servo Sofredor. Apraz-nos recordar que nos dias feriais da Semana Santa, a Liturgia vai nos formando com a leitura dos primeiros poemas, para que na Sexta-Feira da Paixão ouçamos o terceiro cântico pondo todo o acento no infortúnio do servo “levado  como um inocentíssimo cordeiro ao matadouro”  Com a tônica das leituras propostas pelo Lecionário, vamos percebendo a mudança  vislumbrada na Liturgia. Na primeira parte levantamos os ramos, aclamamos com triunfais Hosanas ao Filho de Deus e de Davi e eis que agora adentramos ao mistério da Paixão do Senhor, eis o porquê deste Domingo ser o de Palmas e o da Paixão. Aquele Jesus de Nazaré que entra em Jerusalém não mais sairá! Eis o Servo Obediente! Sobe à Cidade de Davi, dos profetas, dos justos, dos que esperavam o Messias davídico, para, como ‘primícias’, abrir as portas da Jerusalém do alto, “a Cidade de Deus, a morada do Altíssimo”, conforme salmodia a Igreja.


Ainda nos versos do cântico, podemos averiguar a total obediência do servo: “O Senhor deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida (...) ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas o Senhor Deus é o meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado”.  Aqui, encontra-se toda a ação apostólica de Nosso Senhor Jesus Cristo. A vida do Filho de Deus foi uma constante oblação em obediência ao Pai para a salvação do gênero humano. Tal cântico nos recorda que desde o momento da encarnação do Verbo faz-se, de maneira mistérica, presente o Mistério Pascal. Basta recordarmos a fuga do Menino para o Egito quando o tirano Herodes o procurava para matar. Jesus vai a Jerusalém para que toda a Escritura, a Lei e os profetas se cumpram.


Com o salmista, a Esposa Católica canta com Nosso Senhor: “Eloi, Eloi lamá sabactâni!” – Deus meu! Deus meu! Por que me abandonastes?! A priori podemos aferir deste brado que Deus foi injusto. Não! Não! Aqui quem grita é a nossa humanidade no Adão-Cristo! Eis porque ela grita: a desobediência provinda do pecado original. Jesus, como diz o Apóstolo, “feito pecado por nós”, diz: “Meu Deus, por que me abandonastes?” Por quê? Por que deixastes zombar e escarnecerem de mim? Por que permitistes bofetões e cusparadas? Por que despiram as minhas vestes e tiraram sorte com a minha túnica? Porque em meio aos ultrajes vemos o Filho de Deus; o Divino Redentor cuja vida imolada, debulhada como que “trigo que cai na terra para conceder frutos”. De Santo Agostinho, aprendemos: “A cruz não só foi o patíbulo da morte, mas, também, a cátedra do Mestre”.


Na segunda leitura, o apóstolo São Paulo discorre singularmente acerca da teologia da ‘Kénosis’ de Nosso Senhor, ou seja, a sua descida ao encontro da nossa humanidade. “Jesus Cristo existindo em condição Divina não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz”. Este é o tratado da encarnação, paixão, morte e ressurreição do Senhor! Fez-se escravo para que fossemos libertos do Egito e do Faraó, da mazela do pecado. O gesto servil de Jesus acontece cruentamente naquela sexta-feira, mas, na instituição do Sacramento do seu Corpo, ele, debaixo dos pés do doze, mostra assim, ser o servo! Obediente até o Gólgota! Obediente para que muitos recobrassem a salvação, por isso é-lhe sentenciada a pena mais terrível: a crucifixão! Mas, não podemos deixar de merecer: a oferta de Cristo é livre e total! “Dou a minha vida livremente!”


No Evangelho da Missa, ouvimos a caudalosa narração dos passos últimos de Jesus até à sua beatíssima paixão e crua morte. Dentre os pormenores indicados pelo evangelista São Lucas, é importante destacarmos a profissão de fé do oficial: “De fato! Este homem era justo!”. Jesus, o Inocente pregado na cruz, é a vítima de reparação por nossas ofensas. Somente nele é que fomos justificados. O Homem Cristo recapitulou toda a criação. Na sua oferta de cruz, cujo sinônimo é de abandono, solidão, desprezo, aniquilamento, nos aponta a condição injusta da nossa humanidade. O Justo, feito injusto por nossas limitações, levou-nos à plenitude. Conduziu-nos na estrada da cruz para o horizonte da imortalidade. A Jesus, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro a glória e a imortalidade pelos séculos infindos. Amém!

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