sábado, 9 de março de 2013

IV DOMINGO DA QUARESMA


 (Ano C - 10 de março de 2012)



Pelo Seminarista André Fernandes

I Leitura: Js 5,9a.10-12
Salmo Responsorial: Sl 33 (34),2-3.4-5.6-7 (R/.9a)
II Leitura: 2Cor 5,17-21
Evangelho: Lc 15,1-3.11-32 (Filho pródigo)


Caros irmãos e irmãs, na fé trinitária, a "graça e paz da parte de Deus, o Pai e do Senhor Nosso Jesus Cristo na potência do Espírito Santo",


Eis que adentramos à metade da bendita via dos exercícios da Sagrada Quaresma. A Igreja celebra neste Domingo o quarto do supracitado Tempo Litúrgico. Observamos na venerável pedagogia da Liturgia deste domingo, através dos sinais vislumbrados e experimentados com os nossos sentidos, o mistério da fé. Esse domingo é há mui conhecido de maneira vulgar como o "Domingo da Alegria". À grosso modo, podemos, a priori, indagar-nos: Por que a Igreja, prestes a celebrar a Páscoa anual do Filho de Deus, cognomina o presente "Dies Domini", como "Domenica in Laetare"? Por que este regozijamento, uma vez que "o Esposo ser-nos-á tirado"? É justificativa tamanha alegria?


Recordemos que o Domingo é a Páscoa de Cristo. É o dia por antonomásia. É o primeiro dia da Nova Criação sancionada na Aliança sempiterna do Novo Adão. É o oitavo dia! O referido dia pascal em que a Igreja, na porção dos seus fieis engendrados nas águas santificantes do lavacro batismal, reúne-se, tal como os primeiros cristãos, para celebrar a memória atualizada, o "zikaron", da Páscoa de Cristo: sua crua Paixão Morte e refulgente Ressurreição ao terceiro dia. Ainda somos formados pela Igreja em permanecermos sabidos de que no Domingo algum cristão utilizar-se-á das práticas exteriores da Quaresma.  Os domingos são subtraídos dos quarenta dias.


O Quarto Domingo da Quaresma é, como já pontuamos, o Domingo Laetare. Segundo a tradição, neste dia,  com um sentimento de júbilo,a Igreja benzia outrora a "rosa" e outrossim é marcado pelas palavras, com as quais, o sacerdote introduz a Liturgia hodierna, presente na Antífona da Entrada, extraída do Livro do Profeta Isaías: "Regozija-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações" (cf. Missal Romano).


Neste dia, o sacerdote, tem a faculdade de usar o róseo na vestição dos sagrados paramentos, porquanto significa a quebra do roxo e adição do branco que posteriormente cingirá os sacerdotes ao decurso dos cinquenta dias do Tempo "em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado".


Observemos, irmãos, quão rico é o ensinamento que a Igreja nos insere, quando, na Liturgia, abstraímos a Catequese. O Papa Emérito Bento XVI nos admoesta: "A melhor catequese é uma Liturgia bem celebrada". É neste ponto em que podemos experimentar, como dissera Santo Agostinho, "a Beleza que salva". Na Liturgia, nós nos encontramos com o nosso nada, como Moisés, na visão teofânica da sarça: "Não te aproximes! Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa" (cf. Êx 3, 4) uma vez que é nossa pequenez o magno acesso e condição única para celebrarmos, como nos diz São Josemaría Escrivá de Balaguer, "o rigor da Liturgia".


Eis, Domenica in Laetare! Porque é anunciada a alegria do Mistério Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo que, na árvore da obediência, realizou a consumação da sua vida como vontade do Pai para resgate de muitos. A alegria cristã que prorrompe dos nossos mais profundos intentos é a certeza da vida eterna, fruto da nossa reconciliação com Deus em seu Filho, o Pio Pelicano, como ilustra Santo Tomás na belíssima peça "Adoro-Te devote", "uma só gota do vosso sangue purificar-nos-á".


À Primeira Leitura, do Livro de Josué, contemplamos a concretização do poderio de Adonai para com Israel que, após a servidão no Egito e a idolatria, abandonando o Deus de seus pais, e nas duras pelejas à caminho da 'terra da promessa' é nesta introduzido. Ei-la: Canaã! A terra prometida desde Abraão aos seus descendentes. Ela é significado pleno da liberdade do Senhor para com o povo eleito, segregado para reconhecê-Lo como Aquele que fez bem todas as coisas.


O fato por excelência que Israel precisara fazer memória doravante e perpetuado para as gerações é o Êxodo, ou seja, a travessia da escravidão para a liberdade, deste modo a Páscoa! "Hoje tirei de cima de vós o opróbrio do Egito".  Com isto, o que Deus quer exortar para o seu povo? É como se dissesse: - Faraó foi derrotado! Faraó e seu grandioso exército foram tragados pelas águas! Deus estabelece, como bem já sabemos, com tamanho evento, uma aliança com o seu povo, um pacto de amor por predileção!


Ainda percebemos na Primeira Leitura que o maná caído desde lá, quando das murmurações no deserto, é cessado. "O maná cessou de cair no dia seguinte, quando comeram dos frutos da terra. Os israelitas não mais tiveram o maná. Naquele ano comeram dos frutos da terra de Canaã" (cf. Js 9, 12)  O que nos leva a entender tamanha imagem? O maná já não é mais necessário. O povo de Deus fora empossado da terra preparada desde todo o sempre. O maná era um anuncio que Deus prepara maravilhas. Canaã, terra da fartura, "onde leite e mel são corridos", consoante a Sagrada Escritura para, servindo-se dessa ilustração, mostre a Páscoa. Podemos, ainda assim, trazer para a nossa vivência cristã o quadro de Israel, Canaã e o maná.


A Igreja é o Novo Israel do Senhor; o novo Povo de Deus, prefigurado e estado já no primeiro Israel. No mergulho da pia batismal, fomos enxertados, tais como ramos, à preciosíssima Oliveira, isto é, ao Corpo Místico de Cristo, logo, tornamo-nos um povo de sacerdotes, uma nação santa e, destarte, um povo a peregrinar para a verdadeira Canaã, a Jerusalém do Alto, na qual consumiremos do Pão dos Anjos tido já hoje para nós já na Eucaristia, tal como o é, pré-gustação, antevisão e penhor da Páscoa eterna. Eis! Israel colhera da semeadura da terra para se alimentar. E nós, o que executaremos? Como assinala o apóstolo São João, numa de suas missivas, "veremos a Deus, tal qual Ele é!" Esta será a alegria de todos os homens após as lamúrias desta terra de Adão!


Na Segunda Leitura, ouvimos da boca do Apóstolo das Gentes, São Paulo, a saber, o desenvolvimento solene da teologia do homem novo a partir de Cristo. "Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo" (cf. 2 Cor 5,17ss). À lume da Palavra de Deus explanada pelo venerável apóstolo, podemos, na dinâmica da Quaresma, fazer um acurado exame da nossa consciência. O que será este "está em Cristo"? Ainda me comporto como se fosse "inimigo da cruz de Cristo", menosprezando o gesto sacerdotal e reconciliador da sua oferta por causa de mim? Será às trevas serem a minha morada?


"Está em Cristo" é viver a capacidade da liberdade interior alcançada para nós, ainda que não merecedores, pelos méritos da Sua Paixão redentora. O convite do Apóstolo à comunidade cristã já foi ouvido por nós, na Celebração da Quarta-Feira de Cinzas: "Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus" (Ibidem).  "Está em Cristo" é buscar a constante reconciliação com Deus e com os irmãos através do longínquo e contínuo processo de "metanoia", ou seja, radicalidade de mentalidade, transformarmos a nossa maneira de pensar e agir, para "produzirmos bons frutos".


A tônica desta Sagrada Liturgia é colocada no Evangelho. Neste, as duas leituras ouvidas, encontram a profunda síntese. Uma vez que celebramos o Domingo da Alegria, a Palavra de Deus, nos reserva, no ano de São Lucas, o quadro da parábola dita do "Filho Pródigo". Em verdade, trata-se do capítulo quinze de Lucas, assinalado como "As três parábolas da misericórdias". Ei-las  a saber: a da ovelha perdida, a da dracma perdida e, por fim, a do filho perdido e o filho fiel, conhecida como "o filho pródigo".


Ao limiar, percebemos a presença dos fariseus e os escribas que condenavam a hospitalidade de Nosso Senhor para com os publicanos e pecadores. Acerca disso exorta-nos o Papa Bento XVI: "Encontramos aqui dois grupos, dois 'irmãos': publicanos e pecadores; fariseus e escribas. Jesus responde-lhes com três parábolas: com as 99 ovelhas que ficaram em casa e a ovelha perdida; com a parábola da dracma perdida; e, finalmente, acrescenta outra e diz 'um homem tinha dois filhos'. Trata-se, portanto, dos dois.’’ (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 180)


Jesus é incisivo com os fariseus e escribas que se consideravam detentores da Lei de Moisés de maneira tal à emancipar-se, estabelecendo juízos temerários. Ao depararmo-nos com a alegoria da Parábola do Pai misericordioso podemos aferir o desígnio de salvação, a Aliança estabelecida em Cristo, advindo da parte do Pai, do seio da Trindade Santíssima, para "salvar o que estava perdido".


O Evangelho pormenoriza toda a decisão dos filhos e é justamente aí a centralidade da literalidade do gênero literário, a parábola. Aquele declara: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe. E o pai dividiu os haveres entre  eles". Qual o significado deste gesto?  Na Filosofia moderna diríamos ser a declaração da 'morte de Deus', conforme a ideia de Nietzsche dentre alhures. A decisão do filho mancebo é o sonho de ser livre, de emancipar-se. Fazer da sua existência uma satisfação vazia. Não devendo satisfação a ninguém. É a triste ilustração da conjuntura do homem moderno. Deus é um ser que em minha vida não deve intrometer-se.  Eu me basto! "Dá-me a parte que me cabe!" É a debalde utopia da autossuficiência. 


O distanciamento do filho para com o pai foi catastrófico, o que, deveras, podemos, a partir deste fato, vislumbrar o amor de Deus deixando-nos livres para escolhermos entre o caminho da plena felicidade ou a perdição eterna. O Senhor respeita as nossas conclusões. Nas entrelinhas do Evangelho, somos surpreendidos pelas consequências, às quais, o filho mais novo passará. É a vida mergulhada na escolha pelo pecado: "Foi ele para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada" (Ibidem).


A resolução de vivermos por nós mesmos conduz-nos a referida distância pela qual fora conduzido o pródigo. A distância é vista aqui como privação da graça de Deus, sem a qual, vivemos apenas da aparência. Nas terras longínquas, o filho viveu uma vida desmedida. Um prazer destruidor. É clarividente tamanha realidade quando escutamos de uns e outros a satisfação de si pelo possuir, por concentrar nos bens transitórios, as suas esperanças.


Abandonado na imundície da iniquidade, aquele filho, sente a necessidade de manter-se, porque a herança que lhe fora merecida foi arremessada ao lixo. Eis: vai trabalhar cuidando dos porcos! Para a mentalidade cultural-religiosa do crente judeu, o porco é tido como um animal impuro: "(...) servir aos porcos é então a expressão da extrema alienação e da extrema miséria do homem. O totalmente livre tornou-se um escravo miserável" (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 181) E esta a condição imersa quando decidimos abdicarmo-nos de Deus: somos, ligeiramente, conduzidos para cuidar dos porcos, ou seja, rastejamos, mendigamos, maculamos a suma dignidade da humanidade que, em Jesus Cristo, atingiu o seu máximo!


O pródigo cai por terra na situação de penúria. Nalguma daquela situação poderia suprir as suas necessidades. .Logo é acometido pelo exame de consciência. A má liberdade só não rouba a consciência doutrem: "Quantos empregados do meu pai tem pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados" (Ibidem).  O sinal da consciência é perlustrar as atitudes, as decisões, desta maneira, reconhecemos as nossas transgressões ferindo a aliança que Deus, conosco, estabelecera.
  

A resolução em regressar para o Pai é o processo de 'metanoia', converter-se da antiga forma de perceber-se e decidir. "Vou voltar para o meu Pai".  O gesto soberano do Pai sinaliza a própria misericórdia, cuja personificação é o Filho de Deus, como nos exorta o Papa Bento XVI, citando Santo Irineu de Lião: "O braço do Pai é o Filho". E assegura o Papa: "quando Ele coloca esse braço nos nossos ombros como o 'seu doce jugo'; então não é nenhum peso nos carregar, mas sim um gesto de amorosa aceitação" (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 183).


Em Cristo, o Verbo encarnado, crucificado e ressuscitado a face misericordiosa de Deus atinge a plenitude da perfeita caridade porque Ele, "Deus de Deus" aniquila-se ao homem e abraça-o! Na verdade, é na ara da Cruz que o Senhor com os seus braços abertos, elevados, acolhe os pródigos desde à desobediência de Adão.


Que acolhida permeada de "hesed", ou seja, de profunda bondade, na qual, enxergamos a misericórdia! "'Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho.  E colocai um  anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado'. E começaram a festa'". Eis: o filho transviado recobrou a dignidade perdida pelo pecado. Esse festim é o caudaloso manancial da salvação presente realmente nos sacramentos, sobretudo, aqui, trata-se da Penitência e da Eucaristia.  A túnica e  o anel posto no dedo nos recorda a reconciliação operada e o banquete é o mistério sacrossanto da Sagrada Eucaristia, banquete sacrifical, no qual a Vítima é o Cordeiro Pascal, pelo qual exultantes ficamos.


Que a celebração deste Quarto Domingo da Quaresma, Laetare, seja-nos propício a robustecermos a alegria da nossa profissão de fé em Cristo morto e ressuscitado, para, no dia último, tomarmos parte da Páscoa eterna, a perene alegria. Ao Filho de Deus, o primogênito de entre os mortos, a sabedoria, a adoração e a reverência pelos séculos infindos. Amém!

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