(Ano C - 10 de março de 2012)
Pelo Seminarista André Fernandes
I Leitura: Js 5,9a.10-12
II Leitura: 2Cor 5,17-21
Evangelho: Lc 15,1-3.11-32 (Filho pródigo)
Caros irmãos e irmãs, na fé trinitária, a "graça e paz da parte de Deus, o Pai e do Senhor Nosso Jesus Cristo na
potência do Espírito Santo",
Eis que adentramos à metade da bendita via dos
exercícios da Sagrada Quaresma. A Igreja celebra neste Domingo o quarto do
supracitado Tempo Litúrgico. Observamos na venerável pedagogia da Liturgia
deste domingo, através dos sinais vislumbrados e experimentados com os nossos
sentidos, o mistério da fé. Esse domingo é há mui conhecido de maneira vulgar
como o "Domingo da Alegria". À grosso modo, podemos, a priori, indagar-nos:
Por que a Igreja, prestes a celebrar a Páscoa anual do Filho de Deus, cognomina
o presente "Dies Domini", como "Domenica in Laetare"? Por que este regozijamento,
uma vez que "o Esposo ser-nos-á tirado"? É justificativa tamanha alegria?
Recordemos que o Domingo é a Páscoa de
Cristo. É o dia por antonomásia. É o primeiro dia da Nova Criação sancionada na Aliança sempiterna do Novo Adão. É o oitavo dia! O referido dia pascal em que a Igreja, na porção dos seus fieis engendrados nas águas santificantes do
lavacro batismal, reúne-se, tal como os primeiros cristãos, para celebrar a memória
atualizada, o "zikaron", da Páscoa de Cristo: sua crua Paixão Morte e
refulgente Ressurreição ao terceiro dia. Ainda somos formados pela Igreja em
permanecermos sabidos de que no Domingo algum cristão utilizar-se-á das
práticas exteriores da Quaresma. Os
domingos são subtraídos dos quarenta dias.
O Quarto Domingo da Quaresma é, como já
pontuamos, o Domingo Laetare. Segundo a tradição, neste dia, com um sentimento de júbilo,a Igreja benzia
outrora a "rosa" e outrossim é marcado pelas palavras, com as quais, o
sacerdote introduz a Liturgia hodierna, presente na Antífona da Entrada,
extraída do Livro do Profeta Isaías: "Regozija-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós
todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a
abundância de suas consolações" (cf. Missal Romano).
Neste dia, o sacerdote, tem a faculdade de
usar o róseo na vestição dos sagrados paramentos, porquanto significa a quebra
do roxo e adição do branco que posteriormente cingirá os sacerdotes ao decurso
dos cinquenta dias do Tempo "em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado".
Observemos, irmãos, quão rico é o ensinamento
que a Igreja nos insere, quando, na Liturgia, abstraímos a Catequese. O Papa
Emérito Bento XVI nos admoesta: "A melhor catequese é uma Liturgia bem
celebrada". É neste ponto em que podemos experimentar, como dissera Santo
Agostinho, "a Beleza que salva". Na Liturgia, nós nos encontramos com o nosso
nada, como Moisés, na visão teofânica da sarça: "Não te aproximes! Tira as
sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa" (cf. Êx 3,
4) uma vez que é nossa pequenez o magno acesso e condição única para celebrarmos,
como nos diz São Josemaría Escrivá de Balaguer, "o rigor da Liturgia".
Eis, Domenica in Laetare! Porque é
anunciada a alegria do Mistério Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo que, na
árvore da obediência, realizou a consumação da sua vida como vontade do Pai para
resgate de muitos. A alegria cristã que prorrompe dos nossos mais profundos
intentos é a certeza da vida eterna, fruto da
nossa reconciliação com Deus em seu Filho, o Pio Pelicano, como ilustra Santo
Tomás na belíssima peça "Adoro-Te devote", "uma só gota do vosso sangue
purificar-nos-á".
À Primeira Leitura, do Livro de Josué, contemplamos a concretização do poderio de
Adonai para com Israel que, após a servidão no Egito e a idolatria,
abandonando o Deus de seus pais, e nas duras pelejas à caminho da 'terra da
promessa' é nesta introduzido. Ei-la: Canaã! A terra prometida desde Abraão aos seus
descendentes. Ela é significado pleno da liberdade do Senhor para com o povo
eleito, segregado para reconhecê-Lo como Aquele que fez bem todas as coisas.
O fato por excelência que Israel precisara
fazer memória doravante e perpetuado para as gerações é o Êxodo, ou seja, a
travessia da escravidão para a liberdade, deste modo a Páscoa! "Hoje tirei de
cima de vós o opróbrio do Egito". Com isto, o que Deus quer exortar para o seu povo? É como se dissesse: - Faraó foi derrotado!
Faraó e seu grandioso exército foram tragados pelas águas! Deus estabelece,
como bem já sabemos, com tamanho evento, uma aliança com o seu povo, um pacto
de amor por predileção!
Ainda percebemos na Primeira Leitura que o
maná caído desde lá, quando das murmurações no deserto, é cessado. "O maná
cessou de cair no dia seguinte, quando comeram dos frutos da terra. Os
israelitas não mais tiveram o maná. Naquele ano comeram dos frutos da terra de
Canaã" (cf. Js 9, 12) O que nos leva a
entender tamanha imagem? O maná já não é mais necessário. O povo de Deus fora
empossado da terra preparada desde todo o sempre. O maná era um anuncio que
Deus prepara maravilhas. Canaã, terra da fartura, "onde leite e mel são
corridos", consoante a Sagrada Escritura para, servindo-se dessa ilustração,
mostre a Páscoa. Podemos, ainda assim, trazer para a nossa vivência cristã o
quadro de Israel, Canaã e o maná.
A Igreja é o Novo Israel do Senhor; o novo Povo de Deus, prefigurado e estado já no primeiro Israel. No mergulho da pia
batismal, fomos enxertados, tais como ramos, à preciosíssima Oliveira, isto é,
ao Corpo Místico de Cristo, logo, tornamo-nos um povo de sacerdotes, uma nação
santa e, destarte, um povo a peregrinar para a verdadeira Canaã, a Jerusalém do
Alto, na qual consumiremos do Pão dos Anjos tido já hoje para nós já na Eucaristia, tal como o
é, pré-gustação, antevisão e penhor da Páscoa eterna. Eis! Israel colhera da semeadura da
terra para se alimentar. E nós, o que executaremos? Como assinala o apóstolo
São João, numa de suas missivas, "veremos a Deus, tal qual Ele é!" Esta será
a alegria de todos os homens após as lamúrias desta terra de Adão!
Na Segunda Leitura, ouvimos da boca do
Apóstolo das Gentes, São Paulo, a saber, o desenvolvimento solene da teologia
do homem novo a partir de Cristo. "Se alguém está em Cristo, é uma criatura
nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo" (cf. 2 Cor 5,17ss). À
lume da Palavra de Deus explanada pelo venerável apóstolo, podemos, na dinâmica
da Quaresma, fazer um acurado exame da nossa consciência. O que será este "está em
Cristo"? Ainda me comporto como se fosse "inimigo da cruz de Cristo",
menosprezando o gesto sacerdotal e reconciliador da sua oferta por causa de
mim? Será às trevas serem a minha morada?
"Está em Cristo" é viver a capacidade
da liberdade interior alcançada para nós, ainda que não merecedores, pelos
méritos da Sua Paixão redentora. O convite do Apóstolo à comunidade cristã já
foi ouvido por nós, na Celebração da Quarta-Feira de Cinzas: "Em nome de
Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus" (Ibidem). "Está em Cristo" é buscar a constante
reconciliação com Deus e com os irmãos através do longínquo e contínuo processo
de "metanoia", ou seja, radicalidade de mentalidade, transformarmos a nossa
maneira de pensar e agir, para "produzirmos bons frutos".
A tônica desta Sagrada Liturgia é colocada no
Evangelho. Neste, as duas leituras ouvidas, encontram a profunda síntese. Uma
vez que celebramos o Domingo da Alegria, a Palavra de Deus, nos reserva, no ano
de São Lucas, o quadro da parábola dita do "Filho Pródigo". Em verdade,
trata-se do capítulo quinze de Lucas, assinalado como "As três parábolas da
misericórdias". Ei-las a saber: a da ovelha
perdida, a da dracma perdida e, por fim, a do filho perdido e o filho fiel, conhecida como "o filho
pródigo".
Ao limiar, percebemos a presença dos
fariseus e os escribas que condenavam a hospitalidade de Nosso Senhor para com
os publicanos e pecadores. Acerca disso exorta-nos o Papa Bento XVI: "Encontramos aqui dois grupos, dois 'irmãos': publicanos e pecadores; fariseus
e escribas. Jesus responde-lhes com três parábolas: com as 99 ovelhas que
ficaram em casa e a ovelha perdida; com a parábola da dracma perdida; e,
finalmente, acrescenta outra e diz 'um homem tinha dois filhos'. Trata-se,
portanto, dos dois.’’ (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no
Jordão à Transfiguração, p. 180)
Jesus é incisivo com os fariseus e escribas
que se consideravam detentores da Lei de Moisés de maneira tal à emancipar-se,
estabelecendo juízos temerários. Ao depararmo-nos com a alegoria da Parábola do
Pai misericordioso podemos aferir o desígnio de salvação, a Aliança
estabelecida em Cristo, advindo da parte do Pai, do seio da Trindade
Santíssima, para "salvar o que estava perdido".
O Evangelho pormenoriza toda a decisão dos filhos e é justamente aí a centralidade da literalidade do gênero literário, a
parábola. Aquele declara: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe. E o pai
dividiu os haveres entre eles". Qual o
significado deste gesto? Na Filosofia
moderna diríamos ser a declaração da 'morte de Deus', conforme a ideia de Nietzsche dentre alhures. A decisão do filho mancebo é o sonho de ser livre, de
emancipar-se. Fazer da sua existência uma satisfação vazia. Não devendo
satisfação a ninguém. É a triste ilustração da conjuntura do homem moderno.
Deus é um ser que em minha vida não deve intrometer-se. Eu me basto! "Dá-me a parte que me cabe!" É
a debalde utopia da autossuficiência.
O distanciamento do filho para com o pai
foi catastrófico, o que, deveras, podemos, a partir deste fato, vislumbrar o
amor de Deus deixando-nos livres para escolhermos entre o caminho da plena
felicidade ou a perdição eterna. O Senhor respeita as nossas conclusões. Nas
entrelinhas do Evangelho, somos surpreendidos pelas consequências, às quais, o
filho mais novo passará. É a vida mergulhada na escolha pelo pecado: "Foi ele
para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada" (Ibidem).
A resolução de vivermos por nós mesmos
conduz-nos a referida distância pela qual fora conduzido o pródigo. A
distância é vista aqui como privação da graça de Deus, sem a qual, vivemos apenas
da aparência. Nas terras longínquas, o filho viveu uma vida desmedida. Um
prazer destruidor. É clarividente tamanha realidade quando escutamos de uns
e outros a satisfação de si pelo possuir, por concentrar nos bens
transitórios, as suas esperanças.
Abandonado na imundície da iniquidade, aquele
filho, sente a necessidade de manter-se, porque a herança que lhe fora merecida
foi arremessada ao lixo. Eis: vai trabalhar cuidando dos porcos! Para a
mentalidade cultural-religiosa do crente judeu, o porco é tido como um animal
impuro: "(...) servir aos porcos é então a expressão da extrema alienação e
da extrema miséria do homem. O totalmente livre tornou-se um escravo
miserável" (cf. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à
Transfiguração, p. 181) E esta a condição imersa quando decidimos abdicarmo-nos
de Deus: somos, ligeiramente, conduzidos para cuidar dos porcos, ou seja,
rastejamos, mendigamos, maculamos a suma dignidade da humanidade que, em Jesus
Cristo, atingiu o seu máximo!
O pródigo cai por terra na situação de
penúria. Nalguma daquela situação poderia suprir as suas necessidades. .Logo é
acometido pelo exame de consciência. A má liberdade só não rouba a consciência
doutrem: "Quantos empregados do meu pai tem pão com fartura, e eu aqui,
morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai,
pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me
como a um dos teus empregados" (Ibidem).
O sinal da consciência é perlustrar as atitudes, as decisões, desta
maneira, reconhecemos as nossas transgressões ferindo a aliança que Deus,
conosco, estabelecera.
A resolução em
regressar para o Pai é o processo de 'metanoia', converter-se da antiga forma
de perceber-se e decidir. "Vou voltar para o meu Pai". O gesto soberano do Pai sinaliza a própria
misericórdia, cuja personificação é o Filho de Deus, como nos exorta o Papa
Bento XVI, citando Santo Irineu de Lião: "O braço do Pai é o Filho". E assegura o Papa: "quando Ele coloca esse
braço nos nossos ombros como o 'seu doce jugo'; então não é nenhum peso nos
carregar, mas sim um gesto de amorosa aceitação" (cf. Jesus de Nazaré:
primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração, p. 183).
Em Cristo, o Verbo encarnado, crucificado e
ressuscitado a face misericordiosa de Deus atinge a plenitude da perfeita
caridade porque Ele, "Deus de Deus" aniquila-se ao homem e abraça-o! Na
verdade, é na ara da Cruz que o Senhor
com os seus braços abertos, elevados, acolhe os pródigos desde à desobediência
de Adão.
Que acolhida permeada de "hesed", ou seja, de profunda bondade, na qual, enxergamos a misericórdia! "'Trazei depressa a
melhor túnica para vestir meu filho. E
colocai um anel no seu dedo e sandálias
nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque
este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi
encontrado'. E começaram a festa'". Eis: o filho transviado recobrou a
dignidade perdida pelo pecado. Esse festim é o caudaloso manancial da salvação
presente realmente nos sacramentos, sobretudo, aqui, trata-se da Penitência e
da Eucaristia. A túnica e o anel posto no dedo nos recorda a
reconciliação operada e o banquete é o mistério sacrossanto da Sagrada
Eucaristia, banquete sacrifical, no qual a Vítima é o Cordeiro Pascal, pelo
qual exultantes ficamos.
Que a celebração deste Quarto Domingo da
Quaresma, Laetare, seja-nos propício a robustecermos a alegria da nossa
profissão de fé em Cristo morto e ressuscitado, para, no dia último, tomarmos
parte da Páscoa eterna, a perene alegria. Ao Filho de Deus, o primogênito de
entre os mortos, a sabedoria, a adoração e a reverência pelos séculos infindos.
Amém!
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