sábado, 27 de agosto de 2011

HOMILIA DE DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS

HOMILIA PARA A NONA NOITE DE NOVENÁRIO DE NOSSA SENHORA DOS PRAZERES
(Catedral Metropolitana de Maceió, 26 de agosto de 2011)


·         Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Dom Frei Antônio Muniz Fernandes, Arcebispo Metropolitano de Maceió;
·         Reverendíssimo Monsenhor Celso Alípio Mendes, Pároco do Curato da Sé Metropolitana de Maceió;
·         Reverendíssimos sacerdotes;
·         Caríssimos diáconos, seminaristas, religiosos e religiosas;
·         Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo Jesus Nosso Senhor;

MARIA É A IMACULADA CONCEIÇÃO, AQUELA QUE CHEIA DE GRAÇA DE DEUS, INCONDICIONALMENTE DÓCIL À PALAVRA DIVINA. A SUA FÉ OBEDIENTE EM FACE DA INICIATIVA DE DEUS, PLASMA CADA INSTANTE DE SUA VIDA. VIRGEM DA ESCUTA VIVE EM PLENA SINTONIA COM A PALAVRA DIVINA; CONSERVA NO SEU CORAÇÃO OS ACONTECIMENTOS DO SEU FILHO, COMPONDO-OS, POR ASSIM DIZER, NUM ÚNICO MOSAICO
 
Ao meditarmos a passagem de São Lucas que nos trata da Encarnação do Verbo feito carne para a nossa Salvação, Jesus Cristo Senhor Nosso, somos interpelados por muitas lacunas produzidas pelo mistério da direta intervenção divina na história humana, dentre estas impressiona-nos o silêncio de Maria. E é justamente sobre este aspecto da Virgem que queremos refletir nesta noite de novena.

Maria, a serva predestinada do coração do Pai para gerar o Filho sob o poder do Espírito Santo, é cumulada de graça desde a sua concepção. Sem mácula original, conserva intacta a sua índole dada pelo próprio Deus no seu desígnio de amor.  Como Imaculada Conceição, mesmo inconsciente como quando da sua puerilidade, quando nunca imaginara ser a escolhida desde a eternidade para Mãe do Verbo (como afirmamos piamente no Ofício da Imaculada Conceição), ela foi a Maria da Escuta, do Silêncio.

O silêncio de Maria nunca pode ser visto como mero gesto de passividade, de distração. Mas, em todos os momentos da sua vida, o constante silenciar de Maria foi galgando dimensões virtuosas. Imaginemos  Maria Imaculada em sua infância. Imaginemos com que atenção, veneração e silêncio, Nossa Senhora Menina ia aprendendo as Escritura seja de seu idoso pai São Joaquim seja de sua mãe outrora estéril Sant’Ana. Pensemos com que dedicação buscava a Menina Imaculada buscava aprender acerca das coisas do Senhor Deus. Reflitamos com que admiração a criança, filha única daquele ditoso casal, escutava de seus pais as maravilhas realizadas pelo Senhor na vida deles quando do nascimento daquela que seria mais tarde a “Aurora do Sol da Justiça”.

Ponderemos a infinidade de vezes que a Virgem Maria refletiu a grande profissão de fé do Povo de Israel, o Shemá: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos. Tu os escreverás nos umbrais e nas portas de tua casa” (Dt 6, 4-6. 8-9). E, seguindo a didática dos seus ancestrais, de tanto ruminar a Palavra de Deus, acabava decorando os textos sagrados. Digo decorando relacionando este verbete à ideia mais pura do termo: “trazer no coração”, sede da afetividade, da inteligência, dos sentimentos.

Como a jovem Maria encontrava seus deleites na Sagrada Escritura. Refletia-as dia e noite, incansavelmente. Imaginemos o interesse das jovens daquela época em contraste com o de Maria... quão sublime eram os gostos da filha de Ana e Joaquim, muito embora a vida desta moça fosse inteiramente normal. Maria que tinha seus sonhos, projetos; Maria que tudo fazia tendo os olhos na vontade de seu Deus: “fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada, porque vossa lei está no íntimo de meu coração” (Sl 39,9). Foi com esta forma, a de ver as coisas sobre o prisma da fé, que a Virgem nazarena cunhou a sua vida desde a mais tenra idade.

Contemplamos Maria encerrada em sua casa, em seu quarto, mergulhada em oração. Com que espanto o “Rebento do Tronco de Jessé” não foi acometida com a aparição do Anjo proclamando com as palavras do próprio Deus, que ela tanto meditava, mas diante de quem nunca imaginara possuir uma notoriedade tão imensa: “Ave Maria, plena de graça!” A palavra grega Káire se traduz por Ave, saudação latina dada geralmente aos imperadores e grandes do Império Romano. É a única vez que na Sagrada Escritura alguém é saudado de maneira tão nobre, ainda que seja uma saudação angélica e divina. Esta saudação era inédita para a “Jovem Filha de Sião”, ela o sabia. Segundo Santo Ambrósio: “Admirava também a nova fórmula de saudação, que nunca se tinha ouvido até então, pois estava reservada somente para a Maria”. Por isso São Lucas não se comede e narra a atitude da Virgem: “Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação” (Lc 1, 29). E ainda o Santo Bispo de Milão, Ambrósio, continua: “Conhecei a Virgem pelo acanhamento, porque se turbou, pois segue: ‘E quando esta o viu, se turbou’. Perturbar é próprio das virgens, e o sobressaltar-se quando se aproxima um homem e temer todo trato dos homens. Aprendei, virgens, a evitar toda a licença de palavras. Maria se perturbava até da saudação do anjo”.

Com máxima certeza, Maria esperava o Messias. Esperava-o não como mãe, pois tal pensamento nunca tinha invadido o seu coração. Esperava-o, sim, como uma crente na Palavra de Deus, porque também ela ansiava a libertação de Israel trazida pelo Salvador. Nunca imaginaria que de seu seio viria o Filho do Homem; que em sua pequenez, Deus se fizesse carne em seu ventre. E se não esperava a maternidade divina, com certeza também não aguardava uma predicativo de magnitude tão alta: “cheia de graça”. Neste ponto, São Jerônimo nos alude: “E na verdade que é cheia de graça, porque aos demais se distribui com medida, no entanto em Maria se derramou ao mesmo tempo toda a plenitude da graça. Verdadeiramente é plena de graça aquela pela qual toda criatura foi inundada com a chuva abundante do Espírito Santo. Já estava com a Virgem quem lhe enviava seu anjo e o Senhor se antecipou ao seu enviado. Não pode ser encerrado em um lugar Aquele que está em todas as partes; de onde segue “O Senhor é contigo”.

Maria é a mulher do silêncio quando da sua visita a Isabel. Pressurosamente, a Virgem, logo após o anúncio de sua divina gestação, ruma para a região montanhosa da Judeia, para a casa de sua prima que, logo após ouvir a sua saudação, começa a louvar o que Deus fez na vida e no seio daquela Virgem; obra que não apenas influiria na intimidade de Maria, mas mudaria para sempre as sendas da história e a vida da humanidade. Vemos outra atitude produzida pelo silêncio de Maria com a entoação do Magnificat. Sim, esta foi uma ação fruto do silêncio, pois silencioso é o que não joga palavras ao léu, mas as utiliza para a comunicação de coisas honrosas e santificantes, como o louvor do Senhor. O Cântico de Maria é ainda fruto do silêncio porque foi graças esta bendita prática que ela refletia profundamente em seu coração as Escrituras e analisava sabiamente como vivenciá-las. Observemos que os atributos positivos do Cântico estão intimamente relacionados com a vida de quem tem uma profunda intimidade com Deus (cf. Lc 1, 46-55).

Um dos momentos em que Maria mais praticou este silêncio foi quando de sua maternidade divina. Desde a caminhada de Nazaré para Belém; da lotação das hospedagens; do nascimento da criança entre os animais em um estábulo; das misteriosas visitas dos pastores, magos... São Lucas não se detém e afirma: “Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” (2,19). Ao referir-se ao silêncio orante da Virgem parturiente, São Beda, o Venerável, afirma: “Guardando, pois, as leis do decoro virginal, não queria dizer por nada os mistérios de Cristo que conhecia, no entanto comparava ao que ela havia lido que devia suceder com o que via que vinha sucedendo, não explicando-o com palavras, e sim conservando-o em seu coração” (In homilia in Nativitate Domini).

O mistério silencioso e orante da vida de Maria em consonância com seu Deus não para aqui. Dando continuidade a sua vida unida intimamente (corpo e alma) ao Deus a quem gerou, a Virgem nada entende quando da profecia de Simeão: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 34-35), mas juntamente com José “estavam admirados das coisas que dele se diziam” (Lc 2, 33). Fato similar aconteceu quando da perseguição de Herodes e fuga para o Egito, ela silencia e crê, fazendo de sua vida uma oblação, uma oração.

O que poderíamos dizer da perda e encontro de Jesus no Templo de Jerusalém, passagem que todos nós conhecemos? Ao questionar Jesus Adolescente: “Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição” (Lc 2, 48), bem como ao receber a resposta do Verbo: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49). Lucas transcreve o sentimento que se passava no coração de Nossa Senhora e de São José: “Eles, porém, não compreenderam o que ele lhes dissera. Em seguida, desceu com eles a Nazaré e lhes era submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2, 50-51). Interessante notarmos que esta última frase se repete no mesmo capítulo por duas vezes: “Maria guardava todas estas coisas no seu coração”, ainda que não as compreendesse, mas ela as acolhia. Sabia que a Palavra de Deus estava acontecendo ali, ela era uma personagem da história sagrada, não como protagonista. Não! Mas como Serva, Mãe. Interessante: que “confusão” não se passava na cabeça da Virgem: o próprio Deus Infante, único com o Pai, lhe é submisso e obediente. Justamente a ela que tinha o seu coração na Lei e na Palavra do seu Senhor!

O mosaico do silêncio de Maria permanece, passando pela vida pública de seu adorável Jesus, encontrando o seu cume no caminho para o vértice do Calvário. Segundo as fontes extra-escriturísticas do cânon bíblico, Maria encontra-se com Jesus ensanguentado, extenuado de dores no caminho para o Gólgota. A partir daqui, a Virgem forte e silenciosa entende o que Simeão manifesta-lhe a respeito da espada de dor que lhe encravaria o coração, o mesmo de cujas lembranças servia como espécie de receptáculo de fatos que explanavam que a Palavra de Deus estava se cumprindo em sua existência de Mulher, Virgem e Mãe. A Virgem das Dores é a Virgem do Silêncio. Quando Deus silencia, Maria espera. Quando Deus silencia, Maria confia, ainda que com o peito retalhado de dor. O silêncio de Maria, a sua atitude magnânima de permanecer de pé aos pés da cruz, ilustra-nos o que vos digo. Imaginemos o choro silencioso de Nossa Senhora quando Jesus lhe volve o olhar e diz: “Eis o teu filho!” (Jo 19, 26).

O silêncio produtivo de Maria, a Virgem da Piedade. O silêncio reverente da Mãe-Serva que deposita um Filho-Senhor em um sepulcro e o arranja com bálsamos, sudário e todo apetrecho fúnebre. O silêncio meditativo de Maria da Soledade, no sábado santo, Shabat Pascal para os judeus. Enquanto os judeus festejavam, Maria não se lamentava, mas guardava tudo em seu coração de Mulher, de Discípula, de Fiel, de Mãe.

Não! Tudo não está acabado, resta a esperança da Discípula Fiel, de uma Mãe que primeiro acreditou. No seu silêncio, ela tem diante de si as inúmeras vezes que Ele disse: “E o entregarão aos pagãos para ser exposto às suas zombarias, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia ressuscitará” (Mt 20,19). E assim aconteceu! O silêncio pascal de Maria é sinônimo de júbilo. É justamente este gáudio que cantamos na Páscoa quando entoamos o Regina Caeli.

O silêncio de Maria está retratado também na Igreja nascente, cuja imagem São Lucas, o cantor da Virgem, traz nos Atos dos Apóstolos. Ela está lá junto à Igreja, numa atitude de escuta, humildade e reverência.

“Ele olhou para a humildade de sua serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1, 48-49). A atitude silenciosa de Maria é recompensada. A Virgem Mãe do Salvador e da Igreja é assunta e glorificada no céu. No dizer de São João Damasceno: “Convinha que aquela que guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da morte, imune de toda corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o Criador como criancinha fosse morar nos tabernáculos divinos. Convinha que a esposa, desposada pelo Pai, habitasse na câmara nupcial dos céus. Convinha que, tendo demorado o olhar em seu Filho na cruz e recebido no peito a espada da dor, ausente no parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada por toda a criatura como mãe e serva de Deus”. O mesmo silenciar que durante toda a sua existência terrena foi uma constante, agora na Glória pode ser contemplada. Porém, nem mesmo assim, o silêncio de Nossa Senhora é estéril: na Glória Celeste, a Virgem dos Prazeres, silenciosa e discretamente, tal como o fez nas Bodas de Caná (Jo 2, 1-12), nos acompanha com a sua intercessão e proteção.

Este é o rico mosaico de Maria, cujas pedras, como que um adorável quebra-cabeças de luz e inigualável beleza, nos atrai. Pedras de fé, esperança e amor se coadunam numa atitude de uma Mulher, como muitas de vocês aqui; de uma pessoa que tinha o seu coração na Lei do Senhor, como nós discípulos também o temos. Que os exemplos de silêncio, reverência e virtudes ímpares da Gloriosa Virgem, a Senhora dos Prazeres, nos encham e nos façam alcançar, como ela, a Bem-Aventurança eterna.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!    
  



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