sexta-feira, 5 de agosto de 2011

XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano A – 07 de agosto de 2011)



I Leitura: 1Rs 19, 9a. 11-13
Salmo Responsorial: 84 (85), 9ab-10. 11-12. 13-14 (R/. 8)
II Leitura: Rm 9, 1-5
Evangelho: Mt 14, 22-33 (Jesus e Pedro)

Queridos irmãos,


A Liturgia de hoje, com suas teofanias, ou seja, manifestações de Deus, nos insere a consciência de que Deus é o nosso refúgio, o nosso amparo. Ele nos ama, por isso age desta maneira, como um “pai”, como bem reza a Igreja na Oração de Coleta: “Deus eterno e todo-poderoso, a quem ousamos chamar de Pai”. Assim sendo, Ele sempre está do nosso lado, lembrando continuamente da Aliança feita conosco através do Sangue eloqüente de Jesus. Nunca nos abandona, principalmente quando elevamos a Ele o nosso clamor.
Mas quando é que elevamos este brado aos céus? Quando, diante das intempéries de nossa existência, produzidas pelo intento do maligno no afã de nos abater, olhamos para Deus com um olhar de esperança. Quando assim o fazemos, imediatamente ele se faz junto a nós; ou melhor, sempre Deus está de prontidão para proteger-nos do “espírito do mal e arrebatar-nos do poder das trevas, guiando-nos para o Reino de sua luz” (cf. Fórmula de absolvição).
 A Primeira Leitura, por exemplo, apresenta-nos Elias que, fugindo da ira da malévola Jezabel, esposa de Acab, rei de Israel e adoradora de Baal que queria tirar-lhe a vida, refugia-se em uma caverna no Horeb, monte do Senhor. O texto proclamado não nos apresenta, mas, no versículo nono, Deus pergunta-lhe: “Que fazes aqui, Elias?” Ao que ele responde: “Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos exércitos. Porque os israelitas abandonaram a vossa aliança, derrubaram os vossos altares e passaram os vossos profetas ao fio da espada. Só eu fiquei, e querem tirar-me a vida”.

Ora, o clamor de Elias não era por um motivo banal; tampouco o profeta tinha sido movido por um interesse pessoal. A aflição de Elias foi causada por ensejo justo: a preocupação com o sagrado, com as coisas referentes ao Senhor. Temendo, Elias parte do Carmelo, onde o Senhor havia manifestado esplendorosamente o seu poder a todo Israel em detrimento ao de Baal, um deus inexistente, mas adorado pela rainha Jezabel, e ruma para achar amparo no monte do Senhor, o Horeb, ou seja, na presença de Deus. E como é que o Senhor dos Exércitos manifesta o seu acolhimento? Pela exacerbação do seu poder, apresentados pelo vento impetuoso, terremoto e pelo fogo? Não! Deus apresenta-se ao profeta pela suavidade de uma brisa leve. Hoje, entre nós cristãos, existe uma tendência receosa de tratar Deus como onipotente, todo-poderoso. Estes preferem pintá-lo com a face misericordiosa porque dizem que a idéia de onipotência causa-lhes certo pavor. Inclusive, chegam a mudar até a fórmula de conclusão do Ato Penitencial “Deus todo-poderoso...” por “Deus todo-amoroso...” como se o amor e a misericórdia de Deus não fizessem parte de seu poder. Quanta tolice, meus irmãos! Na sua onipotência, Deus é misericórdia e suavidade, bem como na sua misericórdia e suavidade, Deus é onipotente! Também repudiamos ideias inteiramente opostas a estas, no sentido de afirmar que Deus é um ser insensivelmente caracterizado de maneira primordial pela ira, como que sendo um carrasco.
Mas qual é a mensagem que a Primeira Leitura quer nos deixar? De que nos momentos de atribulação, quando tudo e todos estão contra nós, Deus com a sua suavidade está sempre conosco. Esta não é uma verdade meramente sentimental. É, sim, uma verdade de fé. Vejamos na História da Salvação, quando estávamos afundados no lodo do pecado, Deus se fez próximo a nós, vindo socorrer-nos. Por isso é o Emanuel: Deus conosco. Não veio de um modo estrondoso, mas na humildade de uma criança. Logo, podemos concluir que o Senhor nunca causa estardalhaços quando vem em nosso auxílio, mas nos vem de maneira sutil e calma. É aí que somos chamados a reconhecer a sua presença. Precisamos tomar cuidado com algumas atitudes de certas pessoas que buscam o imediatismo de Deus, bem como uma espécie de “Divinal Show”. Muitas vezes caímos nesta tentação e esperamos que ele venha emitindo raios e trovões. Não! Deus nos vem na mansidão: “Sou de coração manso e humilde” (cf. Mt 11, 29).
No ápice da Liturgia da Palavra, vemos que, no Evangelho, Jesus, após ter multiplicado os pães e alimentado a imensa multidão, ordena aos discípulos que recolham o resto dos pães em cestos. Lembremo-nos de que eles recolhem a sobra em doze cestos. Na semana passada, refletíamos sobre este número na teologia bíblica. Pois bem, na passagem de hoje, Jesus “obriga” os discípulos a partirem. Portanto, se ele os obriga é porque queriam ficar com o Mestre, vendo-o e ouvindo os seus doces ensinamentos. O Senhor manda-lhe que entrem na barca e sigam à sua frente. Tenhamos em mente que este substantivo ‘barca’ designa conotativamente a Igreja. Os discípulos recolhem os doze cestos, entram na barca, isto é na Igreja, por ordem do próprio Jesus, fazendo-lhes antecipação e se lançam no mar do mundo. Logo, temos em mente a missão precursora da Igreja que, por ordenamento do próprio Jesus, é enviada pelas sendas do mundo e da história anunciando o Evangelho, alimentando as multidões (cf. Mt 16, 18), batizando os povos (cf. Mt 28, 19-20). Quantas vezes agimos como os discípulos e, como membros da Igreja do Senhor, não queremos nos lançar no mar do mundo adentro, para ficarmos em uma mera contemplação infrutífera e não interpelante? Quando assim agimos, não estamos fazendo valer o mandato de Jesus; estamos sendo-lhe infiéis.
Ao despedir a turba, Jesus retira-se para um monte “para orar a sós” (Mt 14, 22). Pensemos que se os discípulos tiveram dificuldades em deixar Jesus, quanto mais a multidão que concorreu para escutá-lo no deserto. Mas, com certeza, a muito custo, o Senhor consegue tal façanha. Ele vai ao monte para entrar mais profundamente em contato com o Pai. Subir ao monte na Escritura é a atitude daquele que quer se abandonar em Deus, como em uma intimidade. E, é neste sentimento de familiaridade que Deus se revela, tal como com Elias na Primeira Leitura. Só que com uma diferença: Elias não é Deus; Jesus o é. O mistério da Trindade cerca esta cena: o Filho dirige-se ao Pai pelo Espírito. Jesus põe em prática aquilo que, mesmo se encarnando, nunca perdeu: o contato com Pai. É neste movimento de amor, de solidão e de abandono no Pai que, humanamente falando, Jesus encontra o seu repouso.

Voltemo-nos à barca que estava no mar e, na madrugada, era agitada pelas ondas e vento contrários. Conotativamente falando, se a barca é a Igreja, o mar é o mundo, logo, o vento contrário e o mar tempestuoso são figuras do vão empenho do maligno na atividade de naufragar o que é essencialmente flutuante, a Igreja, cujo naviculário é o próprio Cristo. O barco-Igreja flutua pelos caminhos da história e do mundo com a finalidade de chegar à margem do céu, levando todos os que estão no seu convés. Este mar, movido pelos caprichos contrários do maligno, pretende engolir os que se encontram na embarcação aparentemente frágil e desprovida de segurança, pois é assim que muitos veem a Igreja.
“Pelas três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar” (Mt 14, 25). Três horas da madrugada, dentro do sentido bíblico quer dizer na hora das trevas; e, por trevas, entenda-se: na hora em que o mal reina. É na hora em que aparentemente o demônio reina que os discípulos se põem no desespero e não reconhecem que o Senhor vem ao seu socorro, andando sobre o mar. O que Mateus pretende afirmar quando realça que Jesus vem andando sobre o mar? O Evangelista quer lembrar-nos de que o Senhor é superior a todo tipo de poder e intento, inclusive os do maligno. Deus é Senhor de tudo quanto existe, por isso vem caminhando, sobrepujando o mar, daí vir andando e não de outro modo.
Se os doze já estavam aflitos, imaginemos quando viram que alguém vinha andando sobre as águas. Eles atemorizaram-se estupendamente e pensavam que Jesus fosse um fantasma. Esta atitude aparentemente infantil daqueles homens muitas vezes abate. No meio das tormentas do mundo, os membros da Igreja nos esquecemos de que o Esposo vem em socorro de sua Amada; e, quando percebemos a sua proximidade, deflagramos no medo, pensando que seja um espectro. Agimos desta forma quando temos a triste idéia de que Deus está longe de nós. Muitas vezes, com a certeza de que ele existe, não nos damos conta de sua providencial presença em meio a nós, ao tempo em que ele exclama: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”. Jesus é o doce alívio e consolo de uma humanidade conturbada pelo pecado e de um cristianismo que é constantemente atacado por tantos inimigos mortíferos. O mais patético é que até chegamos a duvidar de sua compleição e, como Pedro, dizemos: “Senhor, se és tu, faça isso...”, exigindo sinais do poderio e presença de Deus. Ou então, mais parecidos ainda com a Pedra-Pedro: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água” (Mt 14, 28); queremos desafiar o mal. Para justificar o pensamento, utilizaremos uma linguagem banal: o mal é como um cachorro do qual não devemos demonstrar medo, senão ele, percebendo o nosso receio, pretenderá avançar contra nós. Ora, esta atitude de Pedro é uma faca de dois gumes, pois, se estamos com o Senhor, podemos, desafiando o mar, caminhar sobre ele, rumando até o Cristo; ou se, começamos a desafiá-lo, mas duvidamos de que o Senhor tudo pode, e temermos o traiçoeiro mar e os adversos ventos, soçobraremos e nos afogaremos. Se esta última situação nos ocorrer, não seremos desamparados ao gritar: “Senhor, salva-me!” pois prestimosamente, em sua compassividade, ele nos resgatará, ainda que nos repreenda: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (v. 31).
O Evangelho é encerrado com uma imagem bem bonita: Jesus com os discípulos, inclusive o náufrago Pedro, no barco. Assim, percebemos que Jesus acolhe a todos em sua Igreja, até mesmo os que outrora estavam nos redemoinhos do mar do mundo. Quando o Senhor sobe ao barco, o vento cessa, ele que é o Senhor também da natureza. Quando Jesus está com a Igreja, a tranquilidade e a calmaria reinam. E quando é que o Cristo abandona a sua Igreja? Nunca! Por isso, percebemos que a Igreja nunca se desespera (embora, em alguns momentos de suas vidas, muitos dos seus filhos se aterrorizem), mas segue pressurosa rumo ao “quarto nupcial reservado pelo Divinal Esposo”, sendo-lhe acompanhada pelo próprio Amado. Neste sentido, afirma-nos Santo Hilário: “Também a tranquilidade do vento e do mar ao subir o Senhor ao barco, figura a paz e a tranquilidade que o Senhor concederá a sua Igreja depois de sua volta, de sua glória, e como então verá com mais claridade, com razão dirão todos, cheios de admiração: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”. Então confessarão todos completa e publicamente, que o Filho de Deus voltou, não mais com a humildade do seu corpo, mas sim com a sua glória celestial, para dar a paz a sua Igreja” (In Matthaeum, 14).
A Segunda Leitura apresenta-nos São Paulo dirigindo-se aos Romanos e falando da dor que ele possui por ver que os judeus, povo da primeira aliança, não alcançarão a salvação, já que não foram fiéis a Lei dada pelo Senhor e, no momento oportuno, quando Deus envia o seu Filho, não lhe foram sensíveis. Porém, posteriormente, São Paulo afirma que, pelo menos, o que lhe conforta é o fato de saber que a família de Deus, em Cristo, foi alargada com a verdadeira concepção de povo de Deus trazida e consumada pelo próprio Jesus (cf. Rm 11, 13-15).
 
 
Fazemos parte desta grandiosa família, nós que outrora não éramos nada, mas que agora somos Povo de Deus, Povo da Nova e Eterna Aliança. Temos um Deus, o qual, como dissemos outrora, ousamos chamar de Pai. Que com o coração de filhos, certos de que herdeiros das promessas eternas, rumemos com toda confiança ao Senhor, e, nesta terra de tormentos e assombros, “neste vale de lágrimas”, possamos encontrá-lo junto de nós através do Cristo, Deus bendito para sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário