sábado, 27 de agosto de 2011

XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano A – 28 de julho de 2011)





I Leitura: Jr 20, 7-9
Salmo Responsorial: Sl 62 (63), 2. 3-4. 5-6. 8-9
II Leitura: Rm 12, 1-2
Evangelho: Mt 16, 21-27 (Participar da cruz)





Querido irmãos,




A realidade batismal nos confere uma identidade indelével: a de cristão, seguidor do Cristo. Por meio deste proto-sacramento somos levados, através de tantos meio, principalmente a um testemunho de vida, a um compromisso com Aquele que nos escolheu para si e nos ungiu e, a partir Dele, com a Igreja e os irmãos.

Estamos enfrentando um grande problema na Igreja: muitos os cristãos fazem pouco caso da graça-missão de ser batizado. Digo pouco caso porque poucos tentam configurar a sua vida a do Mestre, esquecendo-se do conselho dado por São Paulo: “Tornai-vos os meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1). Outros cristãos vivem numa espécie de letargia testemunhal: até querem ser discípulos de Jesus, mas na hora da “prova dos nove” se retraem através de uma vida cômoda para não dizer laxa. Isso sem falar da característica involuntária e falsa que o sacramento do Batismo recebeu por parte de alguns outros: a de ação tradicionalmente costumeira como que uma simples herança e status familiares e sociais. A Liturgia da Palavra deste domingo nos interpela: como batizados, como estamos seguindo o Senhor?

Jesus, no seu itinerário, quer deixar os discípulos conscientes de quem ele é, bem como da sua missão. Por isso, no domingo passado (XXI Domingo do Tempo Comum) ter indagado os seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16, 13); “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). E quando da resposta de Pedro “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16), Jesus, felicitando-o, entregou-lhe a chaves do Reino dos Céus, implantando a sua Igreja sobre a Profissão de Fé de Pedro. Logo, a Liturgia da Palavra do domingo anterior nos revelou quem é Jesus, ao tempo em que a do presente domingo nos mostra Jesus conscientizando os discípulos acerca da sua missão, inclusive o seu sofrimento, morte e ressurreição. Mas, por que o Senhor os conscientiza? Para que a esperança deles no Filho de Deus não se evacue, esmorecendo. Interessante, caríssimos, recordar: mesmo o Senhor clarificando aos seus qual seria o seu fim, querendo evitar que eles não fraquejassem, ainda assim, os discípulos fogem, abandonando-o na hora da Paixão.

Jesus apresenta Jerusalém como “estrado” da Salvação. E para lá ruma com os discípulos mostrando a eles que tudo aquilo se fazia necessário para revelar o Pai, e este o Filho e o seu poder salvífico. Pedro, o mesmo que outrora havia feito uma belíssima e sincera alocução acerca de quem é Jesus, arrasta o Mestre à parte e repreendendo-o, disse-lhe: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” (Mt 16, 22). Por que Pedro age assim? Ora, naquele momento, na tronca cabeça de Simão Pedro, era inconcebível a idéia de que o Messias sofresse e morresse; o sofrimento e a morte seriam, para o líder dos Discípulos, uma incongruência com a missão do “Cristo, o Filho de Deus”. Parece até que Pedro queria dar aulas de soteriologia ou cristologia ao próprio Jesus Cristo. Muitos estudiosos chegam a afirmar que há uma possibilidade de Simão Pedro ter pertencido à facção dos sicários, os quais pretendiam libertar Israel do poder dos romanos através da rebelião de uma luta armada (lembremo-nos que, quando da prisão de Jesus, Pedro saca de uma espada e golpeia um soldado romano de nome Malcus, este é um forte indício da pertença de Simão Pedro ao grupo dos sicários). Estes rebeldes ainda esperavam o advento de um Messias guerreiro que iria igualmente libertar Israel, instaurando uma monarquia forte e pujante. Jesus, ao manifestar o seu sofrimento e morte, frustra os planos e os conceitos que Pedro tinha a respeito do Messias. Por conta disto, Jesus ter chamado Pedro de Satanás, de pedra de tropeço, acusando-o de possuir uma mentalidade tão humanizada que quer sufocar os planos de Deus (v. 23).



Jesus expõe aos seus a condição necessária para o seguimento: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la. De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (v. 24-26). Neste sentido, acorre-nos São João Crisóstomo, parafraseando o Senhor: “Não penseis que seguir-me é fazer isso que agora fazeis ao seguir-me. Necessitareis de muitos trabalhos e passar por muitos perigos, se haveis de seguir-me. Não por haver-me confessado agora, ó Pedro, vais a pensar que só te esperam coroas e que com só o pensamento que tiveste te basta para a salvação e que no futuro hás de viver alegre como se já tudo estivesse acabado. Como Filho de Deus que sou, posso eximir-te de experimentar os males, no entanto, para o teu bem não quero fazê-lo, para que tu ponhas algo de tua parte e assim sejas melhor provado. Nenhum treinador desportivo, quando estima muito a um atleta quer coroá-lo gratuitamente, sem que anseie que este o ganhe com o seu próprio trabalho, sobretudo porque o estima. Assim Cristo quer que aqueles, a quem especialmente ama, brilhem com seu próprio mérito e somente por sua graça” (Sobre o Evangelho de São Mateus, 55).

E Jesus continua, concluindo o Evangelho: “Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com todos os seus anjos, então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta” (v. 27). Em outras palavras, seremos recompensados por aquilo que fizemos para segui-lo. Esta afirmativa de Jesus acerca do seguimento do discípulo deve-nos incomodar. Quantas vezes queremos seguir a um pseudo-Cristo, pintado conforme os nossos interesses particulares, uma espécie de Jesus à nossa conveniência? O mundo, prioritariamente por dois motivos, necessita do testemunho cristão: 1) Porque já se sente vazio e fatigado de tantas palavras descomprometidas com a vida; 2) Porque o testemunho arrasta a muitos para o Cristo. Se os cristãos não derem razão de sua fé pela vida, a fim de atrair muitos para Jesus, para que todos Nele alcancem a Vida, quem o dará? Os indiferentes? Em nome de um cristianismo desleixado, muitos acabam pensando que Jesus é uma ideologia, e, por isso, não encontram razão para alicerçar-se nos valores evangélicos. Outros cristãos se desesperam no meio dos trabalhos e cruzes da vida, pensando que Deus o abandonou à mercê de sua própria sorte. Por isso, na hora em que urge a demonstração da força da fé, estes se deflagram na aflição, no desespero, na depressão. Jesus nunca prometeu vida fácil para os que lhe querem seguir: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10, 29-30).



Na Primeira Leitura, temos o exemplo de Jeremias como seduzido inteiramente por Deus. Já na última parte de seu livro, o Profeta reconhece que esta sedução pelo Senhor lhe acarreta inúmeros desafios, inclusive o da incompreensão, da indignação, da marginalização, da chacota, entre outros. Jeremias tenta a todo custo separar-se deste amor: “Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome dele” (Jr 20, 9). No entanto, quanto mais ele tentar divorciar-se deste amor, mais apaixonado estará, sentindo cada vez mais a vontade de estar perto Dele, sentimento agudo comparado a um fogo ardente e penetrante. Reconhece assim que o amor fascinante do Senhor é mais forte do que toda e qualquer adversidade.

Quantas vezes o desânimo de sermos profetas nos abate? No Batismo, fomos também ungidos para o profetismo. Ao nos debatermos com as cruzes, incompreensões e dificuldades de nossa vida, somos obrigados, como uma necessidade, a recordar da emoção que sentimos pelo nosso primeiro amor e amante: Deus. Devemos ter na lembrança o nosso “Divino Sedutor”. Jeremias foi um apaixonado por Deus a tão máximo ponto que derramou seu sangue, testemunhando o Senhor, o “violento sedutor” de sua vida. Que a seu exemplo, tenhamos um santo furor no nosso testemunho de profeta do Evangelho, eternos enamorados da causa do Senhor. Que sempre sintamos a necessidade de declarar com o Salmo: “A minh’alma tem sede de vós, como a terra sedenta, ó meu Deus” (Sl 62, 2).

O amor ao Senhor faz-nos aderir ao convite que São Paulo nos faz na Segunda Leitura: o de sermos um “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12, 1), tão como uma prestação de um culto espiritual. É a nossa vida como oblação. E como faremos na prática esta oferenda? São Paulo nos responde oferecendo-nos as pistas: a inconformação com o mundo, que nos leva a atitudes de conversão constante, inclusive nas dificuldades e agruras da vida, realizando, em tudo, a vontade de Deus, que de per si é boa, lhe é agradável, e nos aproxima mais da perfeição.

Que o Senhor sempre nos contagie com o seu amor, que lhe sejamos correspondentes neste profundo e autêntico sentimento. Que, ao levar  a nossa cruz, sejamos menos indignos da nossa identidade cristã.       

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