Caros irmãos,
Chegamos
ao esperado doze de outubro. Data que assinala o marco duma das mais religiosas
festas da piedade popular para os cristãos católicos da Terra de Santa Cruz: a
patronal solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Pelas plagas do
Brasil oratórios, paróquias, capelas, catedrais...trazem e prestam o devido
preito à Mãe de Deus, advogada, assim, a Virgem da Conceição Aparecida. À escolha de tantos cantares, parece-nos,
pois, que um é executado em uníssono: “Viva a Mãe de Deus e nossa sem pecado
concebida, viva a Virgem Imaculada a Senhora Aparecida”, este que é
sacramentado o Hino Oficial da nossa Padroeira. A partir destas considerações o
que nos faz hoje celebrar a Toda Santa? Com que particularidades a história
daquela imagem encontrada no Rio Paraíba, no distante século dezoito,
repercute sempre presente em nossos dias? Qual o eixo teológico que podemos
abstrair desta significativa piedade popular?
Antes de mais nada, para nos nortear
nesta reflexão, faz-se mister a citação do número vinte e cinco da Exortação
Apostólica Marialis Cultis, do Beato Papa Paulo
VI: Na Virgem Maria, de fato,
tudo é relativo a Cristo e dependente d'Ele: foi em vista d'Ele que Deus Pai,
desde toda a eternidade, a escolheu Mãe toda santa e a plenificou com dons do
Espírito a ninguém mais concedidos. A genuína piedade cristã, certamente, nunca
deixou de pôr em realce essa ligação indissolúvel e a essencial referência da
Virgem Maria ao divino Salvador. É por esta linha da
palavra da Igreja que nos voltamos à Senhora Aparecida. Em seu matinal louvor,
o Hino de Laudes, nos põe diante da intercessão de Maria para com os que no
Filho seu recebem tal filiação. Canta com solenidade a Igreja: Ó Virgem a
quem veneramos com piedade enternecida e a quem alegres chamamos Aparecida.
A partir daqui notamos uma identificação que suplanta uma dimensão apenas
cultural ou talvez uma prática religiosa aquém da Revelação. Maria Santíssima
identifica-se com a nossa história porque é o principal membro do Povo de Deus.
Com razão, vale o paralelo colocado na primeira leitura da hodierna Solenidade
com a figura da Rainha. Assim como Ester olha para Israel, apieda-se, a Senhora
da casa de Nazaré, pela descendência dos nossos pais. É importante destacar que
primeiro “Deus olhou para a humildade de sua serva”, canta-Lhe ao Magnificat e
logo Maria nos volta o olhar porque plasmada da graça singular, não pode
retê-la. Aquele “Fiat voluntas tua” é uma disposição da nova Mulher que se opõe
à primeira Eva. Maria só pode sê-la porque é a Única que pode orientar os rumos
da nossa história, conjugando-a, com as núpcias do Cordeiro, cujo vinho é
tornado Sangue e assim autêntica e única aliança que não pode ter fim. Aqui,
então, vale a observação duma análise diligente da imagem encontrada. Seu
aspecto escuro, enlodado pelas profundezas, coloca a predileta filha de Sião não
apenas como nossa medianeira, mas também, por este aspecto, Maria, uma vez
aparecida, cruza a nossa existência e muda, definitivamente, toda a fortuna da
humanidade.
Nos traços daquela bendita imagem nós
nos colocamos e pela identificação da Mãe de todos os homens, verbaliza singularmente,
o sacro orador lusitano Pe. António Vieira, no Sermão da Natividade de Nossa
Senhora, como que a exaltar a admirável presença de Maria no desenvolvimento da
salvação: Os diversos títulos da Virgem Mãe de Deus sempre me deixam
admirados. Em particular, gosto de quando A vejo chamada “Stella Matutina”,
Estrela da Manhã. Assim como esta estrela (Vênus, se não me engano) surge
brilhante quando ainda é noite, assim a Virgem Santíssima surgiu ainda nas
trevas do mundo. Como um sinal d’Aquele que estava por vir. Contemplarmos Maria
e a honrarmos com o título de Aparecida é sabermos que ela sempre nos valeu.
Nossa Senhora encontrada por aqueles pescadores, cuja pesca havia sido
insatisfatória, nos dá, o que não pode faltar, como nas bodas
em Caná: Jesus. O admirável sinal do Apocalipse narrado à segunda leitura é
também encontrado na efígie diminuta da Conceição Aparecida. A este propósito,
podemos perceber naquela imagem, vista de perfil, um dado todo particular:
Maria se encontra com o útero avantajado. É propício, aqui, notar uma peça de
um cancioneiro do século XV que evidencia com admiração a expectação da Virgem, quando já, ao
término, proclama-se em Latim: Pariesque filium, audite carissimi! Vocabis eum
Iesum, Ave Maria. Cuncti simus concanentes, Ave Maria. Paristes um filho,
escutai caríssimos! Porás o nome de Jesus, Ave Maria. Todos juntos cantamos,
Ave Maria. Desta maneira a presença de
Maria, aclamada
de Aparecida, é vista no sentido primordial da sua missão: “portar a Deus”. Verdade
tanto pela concepção no bojo do seu útero como em todo o seu ser. Maria gestou
ao Filho de Deus, desde o momento em que “dispor-se” para que o Anjo a saudando
com aquele Ave, soubesse que ali, “mudado o nome de Eva”, como lhe canta a
liturgia, a vida e as consequências para
o homem também fossem.
Escutamos no
Evangelho que a Mãe de Jesus também havia sido conviva às bodas que acontecem ao terceiro dia. Sabe-se
que a festa de casamento é imagem de Deus que desposa a Igreja, mostra esse
amor que é oblação no Filho da Virgem. Desta maneira, Maria, sendo a primeira que
se entrega, é capaz da indicação para os discípulos, para a Igreja, que, uma
vez partícipes do festim da redenção, pode compreender o Fazei o que ele vos
disser. Pensemos que na mais que centenária história da Virgem de Aparecida é
esta a razão de nos dobrarmos Aquela que traz Deus para habitar de entre os
homens. A devoção à Maria é com justeza o liame da terra com os céus para que
tanto por seus rogos quanto imitando-a sejamos mais parecidos com Jesus Cristo.
Desta feita, comenta o então Cardeal Ratzinger: [...] sem Maria a entrada de
Deus na história não chegaria ao seu fim, portanto não teria conseguido
justamente o que tem importância na confissão de fé- que Deus é um Deus conosco
e não só um Deus em si próprio e para si próprio. Assim, a mulher, que designou
a si mesma como humilde [...] está colocada no ponto central da confissão de
Deus vivente e Ele não pode ser pensado sem ela. Ela pertence
irrenunciavelmente à nossa fé no Deus vivente, no Deus que age.
Nossa Senhora
Aparecida interessou-se por nós porque também participamos das núpcias do
Cordeiro que acontece na Eucaristia e se desdobra em toda a nossa vida que mais
identificados com o Cristo, deve ser, não outra coisa, senão o senhorio da
presença do Reino, ou seja, Ele mesmo, na parcela do seu Israel, que se
encontra em nosso país. Na pequenina imagem da Virgem Aparecida, venerada nos
altares, suplicamos-lhe que uma vez tendo gestado o Novo do Eterno, volva seu
olhar benigno para as situações nocivas que assolam nossa pátria de modo tal a
nos levar em seu regaço para beber da letícia (alegria) do “vinho melhor”, para
se construir a “casa sobre a rocha”.
Rogai por nós, ó Santa Mãe Aparecida. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário